Houve um dia, era verão, um verão muito quente e estávamos em Milão. Fomos para fora da cidade, era um restaurante no campo, chão de terra e, para nos proteger do sol, havia uns paus com lençóis atados. Quando soprava a aragem, os panos brancos ondulavam. A comida era muito boa, toda a gente ria, toda a gente falava muito alto. Não parecia verdade.
Houve um cinema ao ar livre num bairro de Luanda. Tanto calor, as noites tão quentes. Eu, muito jovem, blusa sem ombros, o cabelo entrançado, um grupo de jovens em passeio. És mais bonita que a Julie Christie, dito ao ouvido, o perfume dele a entrar em mim, a pele do meu ombro tão sensível, e ele debruçado sobre mim.Via-se a baía iluminada. Havia grandes bananeiras ou palmeiras. Em baixo, contra a baía, um grande écran onde se projectava o Dr. Jivago.
Houve uma serra frondosa, um teleférico, um medo, porque me vim eu meter aqui?, tão alto, passávamos a rasar as copas das árvores enormes, verde muito escuro, e neve, a neve muito branca sobre cedros muito escuros, um frio muito puro, depois passávamos por cima das longas árvores, e subíamos lá muito para o alto, tão alto, tão alto. Estávamos numa montanha perto de Zurique e o silêncio e a beleza estavam muito perto da pureza de uma religião imaculada.
Houve uma casa de campo, talvez perto de Billigham, uma guest house, de um conforto quase inimaginável. O campo à volta era muito verde. Pastavam umas vacas nessa pradaria e tudo era tão perfeito que parecia quase a fingir. A lareira, a comida, todo o ambiente. E a cama era muito macia, com muitas almofadas, e tudo, tudo, era tão macio, tão acolhedor, tão bom que dava vontade ficar lá para o resto da vida.
E outros. Tantos.
Lugares onde não vou voltar. Quando os abandonei não percebi que tinha estado a viver momentos únicos, momentos que poderia reviver apenas no silêncio da minha memória. Não lhes disse adeus, nunca direi.
[Abaixo da gaivota que pensa nos locais onde não voltará, mais um belo poema de um poeta quase residente, Luís Filipe Castro Mendes. E, logo a seguir, abre-se a semana com um novo compositor, Henry Purcell. E que estreia...!]
Gaivota melancólica à beira do Tejo, no Ginjal |
Penso nos lugares aonde não mais voltarei:
não para dizer que neles se encerrou
o que deles ou através deles eu poderia ter sido.
Apenas para lembrar
que nunca lhes poderei dizer adeus.
['O paradoxo do viajante' de Luís Filipe Castro Mendes in Lendas da Índia]
Querida Jeitinho
ResponderEliminarO nosso poeta embaixador estava tão feliz na passada quarta feira ao receber o Prémio António Quadros...
Estive e lá e fiz "reportagem".
Se quiser passar pelo TIM TIM NO TIBET...
É uma simpatia.
Olá Erinha,
EliminarJá tinha lido a sua reportagem lá no Tim Tim e já tinha lido as palavras da Helena lá no Fio de Prumo. Fico sempre com tanta pena de não conseguir ir a nada disto. Ou vou a casa de um ou de outro, agora é também a fisioterapia, duas horas de cada vez, duas vezes por semana. Ainda hoje cheguei a casa quase em cima das 10 da noite.
Deve ter sido tão bonito. Penso que a Erinha deve ter estado também muito feliz naquele ambiente que deve ter sido tão agradável.
Um beijinho, Erinha e louvo a sua permanente e oportuna inspiração.
Olá,
ResponderEliminarBelíssimo poema!
Como em tão poucas palavras se pode dizer tanto...
Dizem que não se deve voltar aos lugares onde se foi feliz, há momentos que não se voltam a repetir, é preferível guardá-los, talvez em frasquinhos como a Daphne du Maurier aconselha no livro Rebecca.
A jeitinho abriu agora os frasquinhos com etiquetas Milão, Luanda, Suiça.
Só tem que fechá-los muito bem e, quando sentir necessidade, volta a abri-los para sentir esses momentos outra vez.
Eu tenho uma bela colecção de frasquinhos!
E a gaivota é linda!
Beijinho e abracinho,
Antonieta
Pois é, Antonieta. Frasquinhos, caixinhas, gavetinhas. tenho boas recordações guardadas com carinho. Guardo memórias ainda tão vivas. Eu aprecio sempre muito aquilo que vivo. Por isso, não fico a lamentar não ter feito isto ou aquilo. Ontem o belo poema de Poeta Embaixador fez-me foi pensar que, também eu, quando de lá parti não me ocorreu que não mais lá voltaria. Acho que, de futuro, quando sair de algum local especial, vou pensar que tenho que absorver tudo, muito bem.
EliminarFico contente que tenha também boas recordações a fazerem-lhe companhia. As memórias são, frequentemente, doces companhias.
Um beijinho, Antonieta!
Lindo, o que escreveu. Também tenho lugares assim. Mas não quero dizer Adeus. Assim, posso pensar neles, como os meus lugares, os meus momentos.
ResponderEliminarAbraço
Mary
Pois é, Mary. Ainda no outro dia recordou aqueles bons momentos passados em S. Bartolomeu do Mar e eu gostei tanto de ler. São memórias doces, como escrevi acima. O tempo vai-lhes dando uma patine dourada que as adoça.
EliminarUm abraço, Mary!
Olá Jeitinho
ResponderEliminarAinda aqui volto para lhe dizer que a tarde no Palácio Foz foi muito interessante.
A Helena veio sentar-se ao nosso lado e conversámos como se de facto fóssemos conhecidas há muito.
Falámos da nossa Oneto, da nossa Jeitinho, da Isabel Seixas, da Margarida, dos Embaixadores...
Não imagina como foi divertido. Que pena não a termos connosco. Abraço.
Mas já se conheciam? A Erinha foi ter com ela e apresentou-se? E falou com o Embaixador?
EliminarEla deve ter-me um certo pó pois eu, tantas vezes, não poupo o filho. Quando estou a criticá-lo penso sempre como deve custar a uma mãe ler coisas desagradáveis do filho.
Mas deve ter sido uma tarde mesmo boa. U«Imagino como deve ter sido uma conversa gostosa. E os poemas do 'Tim-Tim'... gosto tanto. Só há muito pouco tempo é que eu soube que o poeta Luís Filipe Castro Mendes era ele, veja bem.
Beijinhos.
Olá Jeitinho
ResponderEliminarAgora não posso mas tenho coisas giras para lhe contar...
"me aguarde, tá"???
Aguardo impaciente.
ResponderEliminarA ver se também tenho um tempinho para lhe escrever. Tenho andado com tanto trabalho que não me chega o tempo para o que quero.
Mas vou também ficar à espera dessas coisas giras.
Um beijinho.