Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

08 novembro, 2012

Partes, o céu demora-se a entardecer e a lassidão flutua


Ah meu amor que te foste. Ah meu amor. Saberias a falta que me ias fazer quando partiste? Imagino que não, mas imagino isso apenas para me poupar. Sofrerei menos se pensar que te foste, levado pelo vento, pelo acaso, sem sequer imaginares que eu iria ficar aqui, assim, cheia de sombra no olhar, cheia de restos de amor nas mãos, cheia de tristeza. Ah quanta tristeza, meu amor.

E o silêncio, e a noite que desce sobre mim, e a solidão colada à minha pele tão fria?

Saio para o dia que anoitece e detenho-me a olhar o imenso espaço vazio que se abre à minha frente. E não te vejo meu amor, nem a tua silhueta transparente, nenhum vulto, nenhum, nada, nem ouço a tua voz. E queria tanto ouvir o meu nome dito por ti. Queria tanto que aqui estivesses ao meu lado, que falta me fazes, que falta, meu amor. 

Apenas a nossa gata, que gostava tanto de ti e que agora chora suaves lamentos todas as noites, me olha. Grandes olhos verdes, límpidos, tristes. Ela e eu, as duas com tantas saudades, meu amor, as duas olhando o vazio, esperando por ti que não vens.

Vem, vem, vem. Estamos aqui em silêncio, cheias de frio, sozinhas, lágrimas pesadas e quentes caindo num chão desamparado, desamparadas as duas, esperando por ti. Vem, vem, meu amor.



[Abaixo da gata triste, um poema igualmente triste de Soledade Santos e, logo abaixo, o Te Deum de Lully]



Uma gata triste no Ginjal



                                         Partes, o céu demora-se
                                         a entardecer e a lassidão flutua
                                         como as volutas do incenso a arder.
                                         Saio à varanda, regresso
                                         aos gestos que me fixam
                                         e a gata no telhado
                                         seguindo-me com o olhar.
                                         Estamos bem assim, eu sozinha
                                         no azul da quase noite, ela em cima
                                         no fulgor do dia que se esvai.


['Azul da quase noite' de Soledade Santos in 'Sob os teus pés a terra']

2 comentários:

  1. Olá,
    Hoje fiz uma visita ao seu Ginjal, pois já não vinha aqui há algum tempo.
    Todos os textos são lindos, este poema dedicado ao amor ausente, que demora em chegar, ou já não vem, tem a cumplicidade da linda gata, de olhos verdes, cor da esperança, e a chamar o amor assim, com tantos e suaves lamentos, ele virá certamente!...é uma questão de tempo.
    Muito bonito
    Obrigada e um grande beijinho

    ResponderEliminar
  2. Olá Maria Eduardo,

    Este local dá-me vontade de escrever palavras assim. É pouco mais que uma rua de casas arruinadas habitadas por gatos vadios. Mas eu acho lindo.

    Gosto de escolher poemas e conjugá-los com as minhas fotografias e, depois, desatar a escrever palavras não ensaiadas.

    Obrigada.

    Um beijinho.

    ResponderEliminar