Toca-me com a tua mão e diz-me uma palavra. Fecha os olhos e, numa palavra, diz para onde estou a olhar. Beija-me os olhos e, em cada um, pousa uma palavra. Olha o céu e, por cada gaivota que passe, inventa um nome. Em três, dois, um, diz depressa vinte palavras.
Lembras-te? Passávamos o tempo a brincar com as palavras, lembras-te?
Olha a cidade ao longe e, por cada casa amarela que vejas, diz uma palavra que tenha a ver com luz.
Boa. E tu, por cada azul, diz uma palavra que tenha a ver com água.
Fácil. E agora tu: por cada casa branca, diz uma palavra que tenha a ver com vento.
Julgas que essa era astuciosa... Mas então, toma lá agora: por cada veleiro que passe diz dez palavras desmedidas.
Palavras desmedidas?! O que é isso?
Por cada pergunta que faças, diz vinte palavras acalentadas.
Não vale. Não sei o que são palavras acalentadas.
Então, olha o céu e, por cada nuvem, diz palavras apaixonadas, fulgurantes, excessivas. Esta já sabes?
Tanto que brincávamos. Tantas que nem demos pelo tempo. Que interessa? Não pode haver melhor: uma vida feita de palavras, cada palavra um amor, infinitos amores, o amor das palavras, um amor cheio de sedução e prazer, pelas palavras, pela poesia, pela língua portuguesa. Um amor sonhado, adivinhado, excessivo, sem atropelos, sem sobressaltos, sem alvoroços, sem tumultos. Um amor especial, absoluto, um amor carnal que pede, oh se pede, demorados, gostosos beijos de língua - e, por favor, nada de olhos baixos e palavras envergonhadas!
[Aqui abaixo, observa-se o tempo que passa. Ou não. Talvez o tempo pare quando dois seres se detêm a festejar o amor e as palavras. Logo a seguir, Maria Teresa Horta oferece um poema a Vasco Graça Moura. E, logo abaixo, uma gostosa interpretação de uma ópera de Jean-Baptiste Lully]
Em Cacilhas, rente ao Tejo, de frente para Lisboa |
Num atropelo
foram passando os anos
Simulando vagares de eternidade
a burilar os sonhos
que sonhamos e a acrescentar
saudades à saudade
Num sobressalto
fomos tomando o gosto
Às infiéis constelações
das nossas rimas
no rasto de anjos e paixões
feitas de fulgores e neblinas
Num alvoroço
foi-se ganhando o tempo
Tecendo o poeta verso a verso
o corpo da poesia acalentada
no excesso e no gosto do colher
sedento a seduzir cada palavra
Num tumulto
fomos iludindo o nada
Na partilha astuciosa do prazer
numa grande vontade adivinhada
escrever com a língua portuguesa
dizendo do país Poema e asa
['Tempo' de Maria Teresa Horta in 'A vista desarmada, o tempo largo', Antologia, Poemas de homenagem a Vasco Graça Moura]
Querida Jeitinho,
ResponderEliminarQue maravilha o seu jogo de palavras!!!
Tanta simplicidade e tanto Amor por trás.
O Amor que a caracteriza em tudo o que escreve.
Adorei, como sempre...
Abraço
MCP
Olá MCP,
EliminarGostei do que me escreveu. Gostei muito do poema de Maria Teresa Horta e, quando acabei de o transcrever, fui à boleia da emoção que me tinha ficado e comecei a escrever sem pensar, as palavras saem sozinhas e ajeitam-se ao lado umas das outras.
Gosto muito de escrever sobre o Amor, é verdade, nas suas múltiplas vertentes.
Obrigada.
Um beijinho.
Olá,
ResponderEliminarQue bonito jogo de palavras brincando com o amor num vai e vem de doces trocadilhos apaixonados!...
Só uma pessoa apaixonada pela vida e com muito amor dentro de si consegue escrever um texto com tanta beleza, um verdadeiro hino ao amor!... "O tempo passa num atropelo, mas pára quando dois seres que se amam se detêm para o festejar", tendo por cúmplice o amor. Muito bonito este seu texto. Obrigada por estes momentos tão belos.
Um beijinho
Maria Eduardo,
ResponderEliminarOs poetas sabem escolher as palavras certas para dizer as coisas. Eu aqui limito-me a ir à boleia dessas palavras, trazendo-as para este lugar junto ao rio e de frente para Lisboa. As minhas palavras são quase nada quando comparadas com a beleza deste local e com a beleza pura dos poemas.
Mas agradeço na mesma...
Um beijinho.