Suspensos no silêncio, quase imóveis, os homens esperam. Na sua imensa sabedoria, os homens esperam. O tempo avança, as águas correm num frémito de mil brilhos, o céu reflecte o rio, e os homens quase se anulam. Pequeno, pequeno, eu, dizem num dócil e respeitoso murmúrio.
E, na verdade, não se sabe se o tempo avança ou se o tempo está suspenso. Talvez esteja preso às folhas verdes da árvore que cobre a boca de cena, talvez esteja desfeito nos brilhos que cobrem as águas do rio, talvez percorra as veias dos pescadores ou lhes escorra por entre os dedos, tal como o fio que mergulha nas águas, tal como o olhar que busca a nuvem ou a ave.
As águas passam e levam, ocultas, árvores arrancadas, raízes desfeitas, tábuas, telhas, pedras, restos de casas, amores perdidos, levam a morte e a vida, levam a génese e o ocaso, levam palavras que se afogaram em dias de tormenta.
E o céu, silencioso, limpo, cúmplice, olha. Um pano branco, transparente, um regaço macio, um leito de amor, a casa das muitas asas, o último refúgio.
O tempo, a casa, o mar, o céu, o silêncio. A última palavra. O princípio de todas as coisas. O pecado original. O prazer essencial. O imenso tudo e o infinito nada unidos num incestuoso abraço. E, sempre, o silêncio, o longo, longo silêncio.
[As horas caem verdes sobre o rio. E, abaixo, as palavras de Herberto Helder mexem no silêncio que há dentro de nós. Logo depois a Passacaille de Lully]
Tarde no Ginjal, o Tejo coberto de pétalas brilhantes |
Por trás da imobilidade, horas verdes
caem de espaço a espaço
- gotas de água no fundo de um subterrâneo.
E em volta um círculo de montanhas atentas.
No alto da noite côncava e branca,
uma camélia gelada. E metem as árvores
para o interior
a tinta e os ramos.
Absorção
dolorosa, diamante polido, vegetação
criptogâmica.
- O tempo.
E o céu. Basta-nos o nome para lidar
com ele.
O céu.
Mar inesgotável que desliza no silêncio.
[Excertos de Húmus de Herberto Helder in Poesia Toda 2]
Olá,
ResponderEliminarBonito texto, este envolvendo o céu com toda a sua poesia e de Húmus de Herberto Helder.
Um grande beijinho nesta noite que já vai alta e o dia a amanhecer.
ME
Maria Eduardo,
ResponderEliminarA poesia de Herberto helder é qualquer coisa de magnífico, palavras desentranhadas, fortes e belas. é ousadia minha pôr-me para aqui a escrever palavras em volta de poesia assim. Mas, enfim, é a ousadia dos simples...
Um beijinho, Maria Eduardo.