Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

02 outubro, 2012

Ela vinha de preto e resplandecia porque era a própria noite que a vestia


E se me visto de preto é para que saibas, amor, que é de noite que te quero falar.

E se me sento sobre este rio brilhante é para que saibas, amor, que quero em ti navegar ou que navegues tu em mim, amor.

E se espero a chegada da lua, sabes para que é, amor?

Então escuta, eu vou dizer-te baixinho, escuta. Deixa que te encoste os lábios ao ouvido para que só tu me ouças, deixa.

É para que me dispas o vestido preto, para que deixes que o fogo no rio se apague e para que o luar sobre ele espalhe um fino lençol de prata.

Mas, amor, não tenhas pressa.

Despe-me o vestido preto devagarinho e deixa que a noite me cubra a pele e deixa que o luar me vista de pecado.

Depois vem, vamos deitar-nos aqui sobre as águas, vamos pecar, vamos pecar com alegria, com vagarosa alegria.

Noite sem pecado, amor, tu sabes, não é noite que eu vista nestas noites de luar.



[Já aqui abaixo da mulher de preto de Manuel Alegre, encontrarão a música de Corelli, mais um compositor barroco aqui no Ginjal]


Pôr do sol no Ginjal, sobre o Tejo



                             Ela vinha de preto mas trazia
                             a noite pendurada no vestido.
                             Porém não era luto mas alegria
                             ou a cor do pecado anoitecido
                             ou talvez fosse a lua que nascia
                             na parte do seu rosto mais escondido.
                             Ela vinha de preto e resplandecia
                             porque era a própria noite que a vestia.


                             ['Mulher de preto' de Manuel Alegre in 'Nada está escrito']

4 comentários:

  1. Pecado seria se a noite não a despia.
    :)

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    1. Fosse eu dada à utilização da simbologia internáutica, deveria responder a seu comentário com um sonoro lol. Assim, digo-lhe apenas que o achei certeiro e divertido.

      E, assim sendo, despeço-me também com um :)

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  2. Em tempos, Ivone Silva fez um quadro de Revista, em que vestia um vestido preto, mudando os acessórios conforme o Partido que representava e acabava todas as descrições, com a frase: "Com um simples vestido preto, eu nunca me comprometo". Fez furor esta frase. Era repetida em todas as circunstâncias. Será verdade? Eu acho que nem sempre. Uma mulher de preto, pode ser provocante, como pode ter um ar de grande dor.
    A verdade é, que o preto, relacionado com roupa feminina, tem para os homens, uma grande carga erótica. Uma mulher vestida, ou meio despida de preto, era um afrodisíaco. A lingerie negra, vendia-se aos montes.
    Certo é, que algumas mulheres, a usavam para ir ao médico, por a acharem mais discreta. Nunca pertenci a esse grupo. Para mim, está mais certa a opinião dos homens.
    Quem souber que é uma mulher de quase 68 anos que escreve isto, ficará, a pensar que sou depravada. Não sou. Sou mulher, fui nova, sou sincera. Gosto de preto.
    O seu texto é lindo, a poesia do Manel, que já conhecia, é bela, muito bela. Sabe que é um dos "meus poetas".
    Já escrevi demais.
    Abraço grande
    Mary

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    1. Mary,

      Nunca escreve demais e eu, quando vejo que entre os comentários um é seu, fico toda contente, especialmente se é grande. É que já sabe que gosto imenso de ler o que escreve: é muito directa, e tão directa é que se torna muito engraçada.

      Eu também gosto muito de me vestir de preto, acho que é uma cor elegante. No entanto, se estou toda de preto, tenho sempre o cuidado de ter algum apontamento de cor.

      Agora que estou a escrever isto, estou a lembrar-me que um dia entrou no meu gabinete um colaborador meu e me perguntou com um certo cuidado, 'doutora, está de luto?'.

      Estranhei a pergunta e perguntei porquê. E ele disse, 'Está toda de preto', e de facto, assim era: estava com um vestido preto, meias e sapatos pretos. Desatei-me a rir com o tom piedoso dele e mostrei-lhe o anel que tinha no dedo, 'claro que não estou de luto, nem estou toda de preto; então não viu o espalhafato do meu anel?'

      Mas se o preto é elegante em todas as circunstâncias, já o preto numa mulher curvada de dor é uma coisa muito triste.

      Mas agora quero dizer uma coisa: é-se mais mulher à medida que o tempo vai passando. Por isso, com 68 anos, a Mary está em muito boa idade de de vestir de preto para ser sexy. Poderia dar-lhe vários exemplo de muitas mulheres da sua idade e com mais e que ainda arrasam, com ou sem roupa preta.

      (Claro que também pode vestir lingerie preta para ir ao médico mas, aí, o seu marido, por prudência, talvez deva estar ao pé de si não vá o médico deitar-lhe algum olhar mais indiscreto... - [estou a brincar...])

      Também gosto muita da poesia do Manuel Alegre, tem uma sonoridade muito própria.

      Um beijinho, Mary!

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