Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

24 outubro, 2012

As coisas livres ficaram escritas no chão


Enquanto caminho, rolam palavras soltas, rolam e vão despenhar-se nas águas do rio. Saem do meu corpo ferido estas palavras, escorrem como sangue. Não tento estancá-las, sei que não o conseguiria. O meu coração tem um rasgo de onde jorram as saudades e todas estas tristezas agora sem dono.

O teu nome está preso num recanto deste meu coração dilacerado. Gostava que saísse, que saísse arrastado juntamente com o sangue sem cor, com as palavras que se vão afogar. Mas ele não sai porque agora esse nome pertence também a outra mulher que muito amo.

Olho a grande e bela cidade, olho o rio e lembro os dias em que o teu nome saltava junto a nós e era uma alegria, o teu nome e o meu nome, abraçados, beijando-se em segredo, escondidos da luz que vem da água.

Dizia o teu nome e dizia amor e tu rias e dizias esta é a nossa casa e os pássaros vinham do mar fazer a festa das palavras. Nesses dias o tempo parava, esperava que o amor entrasse bem na nossa pele inocente. Recordo o teu rosto, era calmo e feliz, e recordo o teu corpo, era dedicado, disponível, e recordo o teu sexo, era doce, tão doce.

Longe esses ternos dias.

Agora todas as palavras acabaram. Mas ficou o mais importante, ficou a menina, feliz e livre, que ali mais à frente brinca, subindo às árvores e desafiando o rio, a menina que tem os teus olhos e a quem demos o teu nome. 



[Abaixo da imagem do homem que olha o rio e a magnífica cidade, Inês Fonseca Santos fala das coisas livres. E, logo a seguir, começa a semana dedicada ao compositor Giovanni Battista Pergolesi, músico que viveu (apenas durante 26 anos) no século XVIII]



Caminhando junto ao Tejo, de frente para Lisboa, numa bela tarde no Ginjal



                                              Havia várias formas de chamar-te.
                                              Chamar-te não era apenas dizer o teu nome.
                                              Muito menos fazer-te virar a cabeça na direcção da casa.
                                              Era conhecer-te o rosto - dedicado, disponível, raro.

                                              As coisas livres ficaram escritas no chão.


                                              ['As coisas livres' de Inês Fonseca Santos in 'As coisas']


2 comentários:

  1. Tem razão. As coisas livres ficam escritas no chão.
    Não vou esquecer esta frase.
    Mary

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A frase é uma maravilha, não é? Ficamos a pensar.

      Eliminar