Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

25 setembro, 2012

Olhar sem caminho a tranquila onda muscular paralela à mão aberta e livre


Olho as ondas, é o mar que pulsa com vigor, olho este rio que se pôs verde para me encher de esperança e logo a mim que tenho o corpo tão cheio, tão cheio de vida e de esperança.

Se estender as mãos sentirei este ar tão limpo ou esta água tão fresca, tão cheia de vida, ondas puras que balouçam de alegria por mais esta vida que trago em mim.

Aqui onde a terra se junta com o mar, sobre estas pedras rijas como os flancos do meu amor, olho o vasto caminho que se abre à minha frente, tanto caminho, tanto caminho por caminhar.

Olho o meu ventre. Parece uma montanha, é a minha montanha mágica. Dentro dela um outro ser começa a percorrer o seu próprio caminho. Junto ao mar ensino-lhe a frescura da água, a maresia, os voos livres e indomáveis das gaivotas, a liberdade sem dono dos gatos que por aqui vagueiam, ensino-lhe os veleiros que entram sem medo na invisível lonjura, ensino-lhe as pacientes mãos dos pescadores, ensino-lhe o amor que envolve os corações apaixonadas quando as ondas são suave melodia, ensino-lhe o fogo, o fogo que existe, secreto, silencioso, no fundo de todos os mares.



[Depois de mais um belo poema de António Ramos Rosa, se descer um pouco mais, encontrará a música de Boccherini. Talvez lhe apeteça, então, ao som daquele Quartettino, voltar a ler estas palavras ou, então, respirar com vagar  'A paixão do ar']


Rente ao Tejo, no Jardim do Ginjal


                                                 Olhar sem caminho
                                                 a tranquila onda muscular
                                                 paralela à mão aberta e livre

                                                 Uma escrita a nascer dos alvos flancos
                                                 a paixão do ar como uma chama

                                                 Paixão que une a terra cheia ao mar
                                                 o olhar respira em todo o corpo igual
                                                 o corpo eleva-se sobre a montanha fácil

                                                 O fogo flexível.


['A paixão do ar' de António ramos Rosa in Revista Letras com vida, Literatura, Cultura e Arte, nº4]

8 comentários:

  1. No tempo em que engravidei a 1ª vez, tinha que me "ensacar" em vestidos largos. Era essa a moda: esconder, como se de uma deformação se tratasse. Hoje, adoro ver as grávidas ostentarem as enormes barrigas, usando roupa justa e acho lindo.
    Lembro-me de me despir frente ao espelho, olhando orgulhosa o ventre onde crescia o meu filho. Falava com ele, acariciava a barriga, sentia-o mexer, julgava ter o mundo dentro de mim.
    Com os 3 filhos senti o mesmo. A mesma sensação de plenitude.
    Sinto uma enorme ternura por grávidas e, acho-as lindas.
    Gostei tanto do que escreveu, que me trouxe à memória tempos de felicidade e esperança.
    Gostei do poema.
    Abraço, mãe como eu.
    Mary

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    1. Também eu Mary. Usava vestidos 'à mamã'. Tudo largueirão. Até os fatos de banho eram à mamã. Agora estou também como a Mary: gosto tanto de ver as barrigas bem à vista. Temos tanto orgulho pelas crianças que trazemos dentro de nós que agora também tenho pena de não ter trazido as minhas barrigas bem à vista.

      Como os meus filhos nasceram no verão eu gostava à noite de me pôr na varanda com a barriga ao léu para apanhar a luz da lua. E também adorava pôr-me ao espelho a ver a barriga.

      Ontem escolhi esta fotografia porque o poema me sugeriu as palavras que escrevi e escrevi como se fosse eu ainda grávida.

      As mulheres têm muita sorte por poderem ter outro ser dentro de si. Acho uma coisa milagrosa, mágica.

      Fico muito contente que tenha gostado, Mary-mãe.

      Um abraço, Mary, gostei imenso das suas palavras.

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  2. Olá UJM,
    Continuam os devaneios e a fantasia volátil das suas palavras, música e imagens, neste pequeno recanto de enorme qualidade. Como é belo e inebriante ganhar tempo que muitos julgam perdido, mirando as ondas e o mar que pulsa, num autêntico abraço a esse rio verde que aí desemboca, tão cheio de vida e de esperança, como muito bem diz.
    O Ginjal deve ser um sonho, pois ainda hoje vi um “blog” de um tal Luís Milheiro, (Casario do Ginjal) e fiquei enternecido. Vocês vivem o âmago da “coisa bela”, com verdadeiro sentido de estética e inexplicável prazer. Isso também me delicia, pois amo a natureza.
    Olhe que este seu “Ginjal” figura nas referências daquele recanto.
    Gostei muito deste bocadinho…a esticar até ao futuro, já manhã.
    Muitas felicidades e saúde.

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    1. Olá dbo,

      O Ginjal é pouco mais do que uma rua que une Cacilhas a um pequeno jardim. Essa rua tem o Tejo de um lado e casas velhas, degradadas de outro. Eram armazéns de peixe, noutros tempos. Essa rua que é mesmo sobre o Tejo tem uns pontões onde antes encostariam os barcos de peixe. Hoje vemos lá namorados ou pescadores. Estes pescadores vê-se que é gente que pesca como ajuda à subsistência. Numa ou noutra casa degradada vivem pessoas que devem viver mesmo no limiar de tudo. Vêem-se por vezes algumas movimentações que podem intimidar, especialmente à noite.

      A beleza daquilo é esse misto de rio belíssimo e de paredes com muitas camadas de tinta e grafitis, com o tempo ali espelhado, de gente muito diferente que por ali passa. Mas é também a visão deslumbrante de Lisboa do outro lado. E os barcos que ali passam. E as gaivotas. Mas talvez só algumas pessoas vejam esta beleza. Há pessoas que ali vão e vêem apenas um lugar degradado.

      Agora que voltei aos meus passeios (embora mais lentos e menos longos do que eram antes pois antes subia dali até à zona alta e antiga de Almada, de onde a vista é ainda mais estonteante, e agora ainda não faço isso), voltei a ter vontade de escrever aqui. Mas até nisto estou mais lenta... mas estou a ver se retomo o meu ritmo normal.

      Obrigada pelo seu incentivo, dbo. Gosto de saber que gosta de vir até aqui sentir a maresia.

      Felicidades e saúde para si e para os seus, também!

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  3. Li e gostei muito deste seu poema de amor e esperança! É um prazer lê-la pois sintimos o que escreve, como se estivéssemos a viver e a partilhar o mesmo local e o mesmo momento!...
    Parabéns e vou continuar a seguir o seu Ginjal com muito prazer.
    Um beijinho

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    1. Maria Eduardo,

      Escrevo sem pensar no que estou a escrever. É como se fizesse uma ligação directa entre o coração e os dedos. Não penso. Quando releio até fico admirada com o que escrevi... A sério...

      Um beijinho.

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  4. Compreendo, e sei que é a sério, por isso a admiro ainda mais, por saber que escreve com o coração na ponta dos dedos, partilhando com os outros, num acto de amor pelo próximo, as suas recordações e os seus momentos bons da vida, vividos e guardados dentro de si.
    A vida tem muitas coisas boas para viver e partilhar, não importa os meios!
    Em meu nome pessoal agradeço-lhe esta partilha.
    Um beijinho

    Um beijinho

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    1. A memória de todas as pessoas está cheia de recantos que são agradáveis de visitar. Reviver a memória pode ser tão gratificante como viver o momento. Não sou nada saudosista (do género de dizer que 'no meu tempo' é que era bom) mas tenho vivido a minha vida com intensidade e tenho guardados dentro de mim momentos muito bons. Gosto de os partilhar. Não é por nada, acho que é apenas pelo prazer de escrever e de partilhar.

      Obrigada eu pelas suas palavras e compreensão.

      Um beijinho, Maria Eduardo!

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