Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

09 agosto, 2012

Escrevo-te em vidro


Vidro. Brilho. Espelho. Palavras que atravessam o vidro, que se reflectem no espelho, que se afogam no brilho. Palavras que se despedaçam no chão como estilhaços, palavras invisíveis que atravessam o ar, palavras luminosas. Palavras escuras que te atiro à cara, palavras límpidas que escorrem dos meus olhos, palavras doces com que me afagas, palavras escritas no meu pensamento, palavras sopradas aos meus ouvidos com arrepios de desejo.

Palavras elegantes, palavras rudes, palavras apenas adivinhadas, palavras inventadas, palavras que vejo desenhadas no teu sorriso, palavras com arestas agudas, palavras sem arestas. Palavras arrancadas do meu peito, palavras que me abraçam, palavras com que envolvo carinhos, palavras que dou à luz, que amamento, que fogem das minhas mãos. Palavras que leio, que ouço, que intuo, que persigo, que cavo, que planto, que podo, que embalo.

Palavras.

Palavras que preenchem estes meus dias de espera.

Palavras inquietas. Quietas. Que voam, que pousam, que respiram, que adormecem. Um mundo feito de palavras, o meu mundo, o mundo que habito. Palavras. O mundo secreto das minhas palavras.



[E, já abaixo deste Tejo de mil brilhos, uma música muito conhecida de um compositor espanhol que aqui vem pela primeira vez, Joaquin Rodrigo.] 



No Ginjal, numa tarde de Verão, o Tejo de vidro azul brilhante



                            escrevo-te em vidro
                            por assim achar que
                            desenho
                            o cálculo efémero das possíveis transparências mas
                            o pé descalço sobre a linha sofre
                            as cócegas das hastes cegas da
                            palavra
                            correndo destinos que desaguam no
                            soalho atapetado pelos jornais
                            do dia pudico e burro


[Poema de João Paulo Cotrim in 'Má Raça', livro com ilustrações de Alex Gozblau]

4 comentários:

  1. Tantas palavras, translúcidas.

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    1. Caro jrd,

      Fico feliz ao vê-lo por aqui.

      Gosto de palavras de uma forma um pouco irracional. Gosto de escrever sobre palavras, tal como gosto de ler sobre palavras. Parece-me uma coisa quase mágica o modo como as palavras ganham forma na nossa cabeça, como se juntam umas às outras, como conseguem ter tanta importância.

      Obrigada por aqui ter vindo e obrigada pelas suas também translúcidas palavras!

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  2. ...Mas..., as suas palavras deixam-me sem palavras!

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    1. Olá Lu Caeiro,

      Gostei do seu comentário. Gosto do sentido de humor. E palavras por palavras quero, portanto, agradecer as suas!

      E quero agradecer também a sua visita. Volte sempre mesmo que não deixe aqui palavras!

      Desejo-lhe dias felizes.

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