Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

09 julho, 2012

Quero ficar sozinha neste espanto


A casa está silenciosa a esta hora da tarde. De vez em quando um grito de criança, uma batida, um ranger, sobe da rua lá em baixo. 

Desloco-me de novo até à janela, um pequeno percurso que agora tem que ser estudado, percorrido com vagar. Abeiro-me para sentir bem a aragem que a lonjura me traz.

As ruas estão quase desertas, ouço um cão de uma moradia lá ao fundo. E depois há a imensidão do Tejo. Lisboa iluminada pelo sol da tarde, a Vasco da Gama graciosa, um navio que rasga o rio deixando atrás de si um véu branco de espuma. 

O rio está também silencioso nesta tarde quente e parada de verão. São assim as tardes passadas em casa, envolta em silêncio e espera.

Escolho uma música mas, mal essa acaba, não quero ouvir mais nada. Apenas estes fiapos que chegam da rua. Sinto falta das caminhadas pela beira do rio, sinto falta das árvores sob cuja sombra fresca gosto de passear. Sinto falta da proximidade física das águas que correm, o cheiro a isco e a peixe que os pescadores trazem consigo. 

Até lá, neste intervalo forçado, espero envolta no silêncio expectante da tarde.



[Logo abaixo do rio avistado da minha janela, um poema de Sophia, e, a seguir, mais uma música de Salieri]



Um barco vindo do lado de lá parece sair de um telhado, com a Ponte Vasco da Gama em fundo



                        Eu só quero silêncio neste porto
                        do mar vermelho, do mar morto

                        perdida, baloiçar
                        no ritmo das águas cheias

                        Quero ficar sozinha neste espanto
                        dum tempo que perdeu a sua forma

                        Quero ficar sozinha nesta tarde
                        em que as árvores verdes me abandonam.



['Intervalo I' de Sophia de Mello Breyner Andresen in 'Mar', antologia]

6 comentários:

  1. Prosa gostosa!

    Abração,
    Rodrigo Davel

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    1. Olá Rodrigo Davel,

      Fico contente que tenha gostado. Muito obrigada pela visita e pelas palavras.

      Retribuo o abraço e volte sempre.

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  2. Tem uma vista fantástica da sua janela!
    Post lindo (de pássaro preso).

    Não me atrevi a perguntar-lhe, mas hoje atrevo-me, é problema de coluna? Porque como disse ontem, pensei que já estava recuperada e afinal ainda padece.

    Um beijinho e boas melhoras

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    1. Isabel,

      É verdade. Há uns anos descobrimos esta casa e apaixonámo-nos de imediato. Tem uma vista de quase 360º. Vejo a Baixa Pombalina que se estende desde o Castelo até o rio, vejo a zona oriental até à Estação de Sta Apolónia e aos Cais do Beato, a Ponte Vasco da gama, a margem sul toda até Palmela. Não me canso de olhar pelas janelas.

      Gostei que tivesse dito que o meu post é um post de pássaro preso pois é assim que me sinto.

      Estive a ver se descobria o seu endereço de mail no seu perfil, que lhe escrevia a explicar tudo mas não o descobri. Não tem, pois não? Preferia fazê-lo em privado... Mas não é mal de coluna, embora seja igualmente incapacitante.

      Obrigada por tudo, Isabel e um beijinho.

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  3. Olá, UJM

    Não podia deixar de vir ao Ginjal que também é outra casa para mim. Penso que já lhe disse como me sinto bem aqui, com o intimismo que a sua prosa, aliada a lindíssimos poemas, me transmite.

    As suas palavras casam tão bem com as de Sophia, é um prazer imenso ler-vos. Sei que não tarda nada recomeçará os seus passeios e a captar com a sua máquina momentos incríveis no rio e nos recantos do Ginjal. A sua imaginação, essa, poderá voar até onde quiser.

    Boa noite.

    Beijinhos

    Olinda

    P.S. Tem notícias da nossa 'Maria'? Bj

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    1. Olá Olinda,

      Fico sempre agradecida e feliz quando sinto que gosta de estar aqui e que gosta das palavras que escrevo 'em volta' dos poemas que escolho.

      Estou cheia de saudades de ir passear por lá, sinto a falta da maresia e da frescura e dos gatos e dos parcos que passam ali ao pé. A ver se no fim de semana vou até lá, mesmo que apenas até a uma ponta e levada de carro.

      Sim, tenho tido notícias por outra via. A Maria está cansada, numa fase menos animada da sua vida. Mas estou certa que em breve se porá 'rija' e com ânimo para vir de passeio até aos nosso recantos e ao Alcatruzes. Torço muito por isso. Vou transmitir-lhe o seu cuidado, estou convencida que ficará sensibilizada.

      Um beijinho, Olinda e muito obrigada.

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