Caminhávamos, os dois, pela estreita rua rente ao rio. Estava sol. E o rio abria-se à luz, e os pássaros agitavam-se cheios de calor, mergulhavam aflitos, sacudiam a plumagem e voltavam a voar.
Que calor. Os gatos escondiam-se junto à raiz das árvores, ali onde a frescura sobe da terra, e assim ficavam, deitados à sombra de olhos fechados.
E nós seguíamos, rente às paredes, procurando também alguma sombra, com vontade de mergulhar também nas águas azuis do rio.
E, então, passámos aqui, onde uma longa e estreita escadaria desce da Boca do Vento até à beira do rio, onde o casario branco se encalora de amarelo tórrido, onde as paredes se enfeitam de vasos, onde as mesas se vestem de verão. Que cores luminosas, que alegria que isto é, disse-te eu. É o verão, respondeste.
Passaste-me o braço pelos ombros e eu tinha calor demais e tu disseste que eu devia ser ave marinha ou peixe ou sereia para poder viver dentro do mar. E eu disse: ora sente a minha pele, sente bem, passa a tua mão por baixo do meu vestido.
Fizeste-o e paraste, olhando-me espantado. O meu corpo estava, pois, coberto de grandes escamas madre pérola, lâminas de luz.
E eu disse-te: tira as minhas escamas douradas, espalha o caos na minha pele, mergulha até atingires o vazio.
Riste-te. Já me conheces, palavras assim são sempre o prenúncio daquela desordem onde me sinto melhor. Riste-te e, ao ouvido, disseste-me: não perdes pela demora.
[Abaixo do casario enfeitado de verão, poderão ver, meus Caros Leitores, mais um daqueles poemas de José Alexandre Caldas Ribeiro em que as palavras se ajeitam de uma forma aparentemente desordena, numa toda poética que me encanta. A seguir, temos a música de Manuel de Falla para as noites de verão nos jardins de Espanha]
Esplanada de um dos dois restaurantes da beira do rio, junto ao Jardim do Ginjal |
A ideia de um amarelo tórrido
invade o prenúncio
A chegada de um vagão cor de ferrugem
acelera a ideia. Passa-o
Chegada quase a oferecer
Mais tarde, muito mais tarde
aguardara vista da ideia. Em vão
Compreendera a superfície da cor
a fina película que escama ao tacto
o vazio que se segue à ideia
a desordem prenunciada
[Poema da pag.70 de José Alexandre Caldas Ribeiro in 'A água que nos move']
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