Andava por ali, junto ao rio, andava enchendo os pulmões de ar fresco e os olhos de azul. Pensava se poderia um dia partir: chegar-se ao outro lado, ao cais de embarque, subir a bordo, ir sem saber para onde. Achava que sim, que poderia, que bastaria querer.
Mas apenas olhava o rio e os grandes paquetes, e deixava-os partir. No entanto, sentia-se livre para o fazer e isso bastava-lhe. Sentia que, quando precisasse, os deuses o ajudariam a fazer-se ao grande mundo.
Então parava junto à roseira que crescia bravia junto ao rio, colhia rosas e levava-as para a sua deusa. voltava, pois, a casa.
Até que um dia se viu sozinho. E viu que as rosas que trouxera para casa nos dias anteriores tinham sido atiradas para o lixo. Jaziam sem pétalas, secas, prova infeliz da fragilidade do amor. Nesse dia percebeu que os deuses o tinham abandonado. E sentiu que nem partir conseguiria, para sempre ficaria exangue na beira do rio.
[Abaixo da imagem do homem que colhia flores, poderão ler um poema da grande Senhora dos Mares, Sophia. Logo abaixo um cântico e é a semana dedicada a Salieri quase a chegar ao fim]
Há semanas atrás, no Ginjal apanhando rosas junto ao Tejo. (Lisboa e a Ponte 25 de Abril logo ali) |
A liberdade que dos deuses eu esperava
quebrou-se. As rosas que eu colhia,
transparentes no tempo luminoso,
morreram com o tempo que as abria.
[Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen in 'No tempo Dividido']
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