Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

20 julho, 2012

Ariane é um navio e chegou num dia branco a este rio Tejo de Lisboa


Ariane veio de muito longe, chegou a Lisboa. Deslizou no Tejo, trazendo atrás de si um fio imaginário. É um invisível fio feito de sonhos. Com Ariane, o fio percorre o infindável labirinto que são os rios e mares e oceanos de todo o mundo.

Percorre todas as distâncias, vem do outro lado, e, aqui chegado, enfeita-se de velas, ilumina os mastros, orgulha-se da sua bandeira e, por onde passa, vai levando sonhos, vai acrescentando sonhos. E vai deixando saudades.

As gaivotas andam doidas, não costumam ver noivas assim no Tejo, ou navios carregados de brilhos e sonhos, e, de longe, olham ciumentas tanta beleza. Gostariam de ser convidadas a participar nesta festa mas, assim, esvoaçam e soltam gritos, disfarçam o despeito.

Mas os dias de descanso no rio não são longos e um dia destes levantará âncora e, com majestade, abandonará Lisboa levando atrás de si a luz branca da cidade e os sonhos de quem um dia desejou cair, de corpo inteiro, nos seus braços, os braços de Ariane, o veleiro.


[Logo a seguir à imagem dos cruzeiros no Tejo, um poema de Miguel Torga que, incompreensivelmente, andou, atá agora arredado do Ginjal. Abaixo, um momento musical de que gosto bastante, de Béla Bartók]



Os grandes cruzeiros em Lisboa



                           Ariane é um navio.
                           Tem mastros, velas e bandeira à proa,
                           e chegou num dia branco, frio,
                           a este rio Tejo de Lisboa.

                           Carregado de Sonho, fundeou
                           dentro da claridade destas grades...
                           Cisne de todos, que se foi, voltou
                           só para os olhos de quem tem saudades...

                           Foram duas fragatas ver quem era
                           um tal milagre assim: era um navio
                           que se balança ali à minha espera
                           entre as gaivotas que se dão no rio.

                           Mas eu é que não pude ainda por meus passos
                           sair desta prisão em corpo inteiro,
                           e levantar âncora, e cair nos braços
                           de Ariane, o veleiro.


['Ariane' de Miguel Torga (escrito em 1940 no Aljube) in 'Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa' organizada por Eugénio de Andrade]

2 comentários:

  1. Amiga:
    No Ariane de Miguel Torga, viajou menino, para o Brasil.
    No novo Ariane,gostaria eu de partir para terras longínquas,e não mais voltar.
    Abraço
    Mary

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    1. Olá Mary!

      Que surpresa! Que bom vê-la de novo por aqui!

      E vou fazer de conta que nem percebo a angústia das suas palavras e vou esperar que, escrevendo aqui, se liberte de angústias ou que a angústia vá no Ariane para bem longe e que a Mary regresse ao nosso convívio, mais leve, mais bem disposta.

      Um beijinho, Mary, e volte sempre, todos os dias, para se distrair!

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