Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

01 maio, 2012

Teimei em olhar a palavra à força, obrigando o verso a nascer


Não me acontece mas podia acontecer, sentar-me aqui sem saber o que escrever. Não deve ser à toa que aqui nos pomos, de janela aberta, deixando que as nossas palavras voem até à casa de quem nos lê.

Por respeito, afecto ou seja por que for, há que escrever com a sensação que é um pouco de nós que aqui se depõe.

A mim basta-me escolher um poema, deixar que ele se entranhe em mim, depois escolher uma imagem que se encontre, de alguma forma, em harmonia com o poema e, logo a seguir, as minhas palavras começam a fluir.

Talvez seja porque habito a casa dourada que é este meu ninho perto do céu, talvez seja porque estou perto do rio, talvez seja porque junto à minha janela passam gaivotas em amplos voos, talvez seja porque sobre esta minha mesa tenho muitos livros que guardam milhares de palavras abençoadas. Talvez seja porque gosto muito de palavras e gosto de as partilhar, talvez seja porque gosto de riscar o silêncio com palavras que atravessam os céus com as suas efémeras asas, talvez seja porque esta é a maneira como gosto de estar na noite que rompe o secreto amanhecer. Talvez seja. Talvez seja apenas a minha forma de vos dar a mão. Talvez.



[Logo abaixo da imagem de uma Lisboa pintada em tons de afecto, encontrarão um inspirado poema de Ricardo Gil Soeiro e, logo depois, dos céus desce a grande música de Puccini, desta vez na voz de Renata Tebaldi]


O Tejo com um veleiro amarelo e Lisboa com a sua bela casa dourada em dia luminoso


                           teimei em olhar a palavra à força,
                           obrigando o verso a nascer:

                           não me dei conta que
                           às vezes basta talvez
                           um secreto amanhecer

                           agora sei que, amiúde,
                           é suficiente habitar a casa dourada
                           e pousar o silêncio neste chão
                           de diamante que pisamos

                           teimo, mas basta inventar
                           as asas que nos faltam:
                           tudo a seu tempo,
                           o poema há-de vir.


                           ['XXXVIII 2' de Ricardo Gil Soeiro in 'espera Vigilante']

4 comentários:

  1. Amiga:
    Lindo ver Lisboa assim. Hoje deve estar triste. O céu não pára de chorar, não sei dos meus patinhos.
    Que palavras lindas, as suas e as do Ricardo Soeiro!
    As gaivotas hoje, devem andar numa dança trágica. Chuva e vento. Aqui, nem gaivotas, nem pombos.
    Sabe? Ontem vi uma andorinha a começar a fazer o ninho. Deus queira que a chuva não o estrague.
    De repente, lembrei-me de uma coisa, que ainda não lhe contei.
    Já percebeu, que eu adoro bichos. Sabe como me tratava o meu sobrinho mais velho? Tia Maria dos bichos.
    Eu bem digo. Hoje entrei na máquina do tempo.
    Beijinhos
    Maria

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    1. Sabe o que eu acho, Mary? Acho que as pessoas que aqui deixam comentários escrevem todas lindamente. Adorei ler o que escreveu. Gosto imenso de ler ou ouvir falar de coisas simples, flores que nascem, pássaros que fazem ninhos, patinhos que sobem as pedras, chuva a cair, coisas assim. Gostei, por isso, ainda mais do que escreveu.

      Sim, ontem não estava nada nos meus dias, estava triste, preocupada. As coisas são tão melhores quando os nossos estão todos bem. Sinto muito a doença (ou os sinais da idade) dos que me são próximos. Tento espantar a tristeza mas às vezes, sem querer, devo deixar transparecer. Ou então é a Mary dos bichos que é como se fosse uma feiticeira dos bosques...

      Um beijinho, Mary e obrigada pelas suas palavras que me põem sempre bem disposta.

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  2. Cara UJM:
    Música, palavra e foto, três elementos distintos de uma tríade una e perfeita. Se a música envolve, e a palavra deleita a película aguça a fantasia.
    Lisboa luminosa, meiga afectuosa de azul atapetada, com amarelo a apontar e onde o sol vai claridade buscar!
    E dias muito felizes
    Abraço da
    Luísa sobe a calçada

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    1. Luísa, subindo, subindo a calçada,

      Outra escritora, a Luísa. Gosto de ler o que escreve. Eu acho que os Leitores deste blogue devem deliciar-se a ler os comentários pois são uma maravilha.

      E muito obrigada pela gentileza das palavras. Souberam-me muito bem.

      Um abraço, Luísa.

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