Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

06 maio, 2012

Ninguém ignora que não é grande, nem inteligente, nem elegante o meu país - mas tem esta voz doce


Nesta terra que é também a minha, que tem um rio largo como um imenso mar, há um céu tão azul, mas tão azul, que corre a banhar-se nas águas que deslizam com doçura.

E, nessa água azul como um grande céu há, às vezes, pequenas plumas brancas, leves, imateriais. Quem as veja de longe mal saberá dizer se são as velas dos pequenos barcos que dançam no rio, ou puríssimos pássaros ou anjos que desceram do céu para aí flutuar.

Quando, bicho da água, desço até ao rio, passo por grandes muros detrás dos quais saem rosas bravas encarnadas ou rosas albardeiras cor de pérola, ou pequenos cardos macios e lilases ou hastes flexíveis de silvas. Na terra por detrás destes muros há grandes eucaliptos que se erguem altíssimos ou que deixam cair os seus ramos pesados e cheirosos ou pedaços da casca de que se vão desfazendo.

O meu país tem gente de vistas curtas, tem gente pequenina, vingativa, aborrecida, tem gente deselegante, pouco inteligente, tem tudo isso. Mas tem também muita gente de vistas largas, gente generosa, que olha os outros com carinho, gente abnegada, gente que se faz ao caminho de peito feito, que se faz ao mar com coração de leão, gente que ama as rosas, as silvas e as suas doces amoras escuras, gente que ama as palavras e as pontes que elas desdobram.

O meu país é pequenino mas é imenso na sua beleza luminosa e nas límpidas palavras dos seus grandes poetas. 



[A seguir à fotografia, Eugénio de Andrade fala-nos de um país com amoras que trazem o sabor do verão aos muros brancos e, logo a seguir, temos os pescadores de pérolas a abrir a semana dedicada a Bizet.]


Descendo para o Ginjal, rosas bravas e esguias silvas emoldurando a Ponte sobre o Tejo,
com pequenos veleiros brancos pontuando o rio junto à Torre de Belém 


                                     O meu país sabe às amoras bravas
                                     no verão.
                                     Ninguém ignora que não é grande,
                                     nem inteligente, nem elegante o meu país,
                                     mas tem esta voz doce
                                     de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
                                     Raramente falei do meu país, talvez
                                     nem goste dele, mas quando um amigo
                                     me traz amoras bravas
                                     os seus muros parecem-me brancos,
                                     reparo que também no meu país o céu é azul.


['As amoras' de Eugénio de Andrade in 'Os poemas da minha vida' de Miguel Veiga]

6 comentários:

  1. Cara UJM:

    Eugénio O peta! Belíssima escolha. Este é um dos poemas que fazem parte da minha selecção pessoal.
    Sempre harmoniosas as suas palavras!
    Sempre felizes e luminosas as suas fotos!


    No breve sorriso da paisagem
    A beleza da ponte que atravessa o Tejo
    do veleiro que voga no rio
    Emoldurada por bravas rosas
    e silvas esguias
    é tão opulenta e perfumada
    Que tem que ser mentira
    o negro pesadelo da vida vivida!

    abraço da
    Luísa sobe a calçada

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    1. Luísa que sobe a calçada com palavras pela mão,

      (e eu que não consigo mexer nos comentários dos Leitores para ir ali apanhar o 'o' da palavra poeta que caíu ao chão...)

      De novo um belo poema, de novo umas palavras que fazem um sentido que vai para além da simples harmonia de palavras.

      Tantas vezes também penso isso: perante tamanha beleza que nos cerca, como se pode transformar a vida das pessoas numa tristeza?

      A vida devia ser um prazer, a fruição da beleza natural ou fabricada.

      Mas, pelo menos, nós por aqui esforçamo-nos bem por isso. Hoje a Mary já nos trouxe um belíssimo poema de Manuel Alegre e a Luísa compôs mais um belo poema e eu fico felicíssima!

      Um abraço, Luísa sobe a calçada e, uma vez mais, muito obrigada.


      PS: Viu o comentário do Caro Patrício Branco (que é um cientista da poesia) sobre o seu outro poema, o do Adonia? E viu que o levei para o corpo do post?

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  2. Amiga:
    A Eugénio que adoro, respondo com Alegre, que me faz tremer.
    Pais
    Não sei se sem poemas há país
    Ou se sem eles se perde o pé a fé e até
    esse pais que está onde se diz
    Ai Deus e u é?

    Alguns julgam que é tanto vezes tanto
    capital a multiplicar por capital
    País é um café e a mesa a um canto
    onde um poeta sonha e escreve e é Portugal.

    Levantou-se a velida levantou-se alva.
    Por mais que o mundo nos oprima e nos esprema
    há sempre um poema que nos salva
    País é onde fica esse poema.
    Manuel Alegre
    "Nada está escrito"

    E, como diz Alegre, noutro livro, nós somos de um país Azul.
    Beijinho
    Mary

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  3. Mary, Gaivota Branca,

    Que belas palavras as suas, que belo poema aqui nos trouxe.

    Somos um país azul que tem que se redescobrir e, tantas vezes, a descoberta começa pelas palavras (no princípio era o verbo, não é?).

    Obrigada, inspirada Mary!

    Um beijinho e já deixei na sua casa um bilhetinho de parabéns e de votos de felicidades.

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  4. Cara UJM:
    Caiu o “o” ao poeta, ao grande POETA Eugénio de Andrade. Fiquei desgostosa com a gralha, mas vê-se que não foi minha intenção. O “o” caiu ao poeta, só encontro uma explicação, partiu para ir dar uma “fo…orce a hOllande”. Obrigada pela correção.
    Agradeço o lugar de destaque que deu ao “Adonia”. Muito obrigada.
    Agradeço também a gentileza de Patrício Branco, pela expressiva análise que faz e a curiosa associação às cantigas de amigo, não me tinha ocorrido. Gostei que tivesse gostado. Obrigada!
    E à Mary, um obrigada, pelo seu gosto pela rememoração, e por tudo o que nos dá a conhecer, como este belo poema de M.A.
    Abraço da
    Luísa sobe a calçada

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  5. Claro que era não intencional e eu só referi porque lido de repente 'Eugénio, o peta' poderia parecer estranho a quem o lesse menos atentamente. Mas tomara eu que, no que escrevo, não haja milhares de coisas do género. Às vezes, é alguém que, de manhã, me deixa um comentário do género 'não publique mas tem um typing mistake' ou algum dos membros próximos da família que me liga 'o que é que queres dizer com .....?' e são palavras pegadas ou letras trocadas.

    O que lhe digo, isso sim, é que se guardou o 'o' para fazer uma festa com a vitória de Hollande, guardou-o muito bem.

    E venham mais pemas.... que é como quem diz poemas...! (também quero ir gritar foooorça Hooooollande!

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