Uma mulher passou de olhos no chão, lágrimas escorrendo pelo rosto, mãos fechadas.
Esta é a mulher que por aqui costuma andar, olhar vazio, fundos vincos nos cantos da boca e uma permanente sombra no mais fundo do seu rosto. Não olha a montanha, não olha o rio, não olha a imensidão do céu, nem a frescura azul do rio, não voa com as gaivotas, não se aninha sob uma mansa árvore, não ri, esqueceu o riso. Esta mulher caminha escutando as sombras que invadem o seu coração. Silenciosa e triste, a mulher pensa no seu coração que um dia albergou tantos sonhos e que agora bate com inerte secura.
Pássaro negro de bico laranja no Jardim do Ginjal |
Mas um dia um pequeno pássaro negro de bico quase encarnado brincou à sua frente na relva, e o pássaro saltitava, corria, olhava para trás, olhava para ela, parecia desafiá-la, e depois voou e pousou num ramo baixo, bem à altura dos seus olhos. E o pequeno pássaro cantou e era apenas para a mulher triste que ele cantava e a mulher sorriu com a inocência deste pequeno pássaro envolto em verde. E a mulher pensou que era uma visão tão pura, tão limpa, tão inocente e o pequeno pássaro parecia sorrir-lhe, cantando para ela e ela aproximou-se devagarinho, muito devagarinho e o pequeno pássaro deixou que ela se aproximasse e, então, ficaram os dois, naquela intimidade tão calma e tão verde, e olharam-se nos olhos, os dois tão iguais, tão à espera de ser felizes.
E então, nesse dia, a mulher ergueu o rosto e, ao erguer, viu que no alto daquela montanha que sempre ignorara estava alguém que a abraçava, um abraço longo de protecção e ela pensou que era ela, ela, só ela, que tinha que caminhar para dentro da terra reinventada e feliz.
E,então, sentindo-se abençoada pelo abraço que lhe chegava, quente e forte, do alto da montanha, a mulher avançou, sem medo, a caminho da sua terra prometida. E os olhos sorriam-lhe, e os lábios entreabriram-se e as mãos soltaram-se e ela andou, feliz, livre e, ao seu lado voavam gaivotas de grandes asas brancas e, à sua frente, como se marchasse inocente e determinado, seguia o pequeno pássaro preto de bico quase encarnado.
[A seguir ao Cristo-Rei, protector e sereno, poderão encontrar um belo poema de alguém que muito admiro, Luís Filipe Castro Mendes, embaixador e poeta, e, logo depois, Callas, a fantástica, interpretando Rossini]
Avistado do Jardim do Ginjal, o Cristo Rei que abençoa quem se quer sentir abençoado |
Nous venons de partout, nous sommes sans limites
(Paul Éluard)
Volta os olhos para trás,
e irás reencontrar as montanhas inertes do teu coração
e tudo o que não soubeste mais reinventar.
Mas se olhares na tua frente
e as montanhas te oferecerem o seu verde sombreado
como uma promessa de felicidade,
não feches os olhos,
não recordes em vão:
nós somos de toda a terra,
só isso nos foi prometido.
['Junto aos Himalaias' de Luís Filipe Castro Mendes in 'Lendas da Índia']
Nos teus braços Cristo me entrego pequenina
ResponderEliminarchoramingando como uma menina
que deixou cair a boneca preferida
montanha abaixo
A minha fé é e sempre foi
coisa intermitente
mas quando a tristeza vem
(às vezes de repente)
é no teu olhar que encontro o confidente
um conforto dourado e doce que me faz regressar
cada vez que a vida dói...
Era uma Vez,
EliminarQue bom vê-la aqui hoje, e logo aqui nesta sua tão bela mensagem. Tão bonito.
PS: Afinal não consegui ir (senão tinha-lhe dito) àquela sessão de poesia. Tenho andado com menos tempo do que é costume, ainda hoje cheguei a casa já perto das 10.
Um beijinho, Erinha.
Amiga:
ResponderEliminarQue texto lindo!
A poesia bateu fundo, no meu coração.
A frase "Nous venons de partout, nous sommes sans limites
(Paul Éluard), é extraordinária.
Vou ouvir a Callas e Rossini.
Beijinho
Mary
Maryzinha,
EliminarAo som da Callas, com gaivotas voando em volta e um passarito preto à frente, vão todas as pessoas que conquistam o seu direito a sorrir. Às vezes ocorrem-me ideias malucas e fico aqui a imaginar o engraçado que seria.
Devo ter uma pancada...