Vê a alma de alguém, quem não consegue ver-lhe os olhos?
Tu que não me vês, imaginas como eu sou?
Conheces-me por dentro, tu que não me conheces por fora?
Não podes verter dentro do meus olhos os mistérios do teu olhar, não podes dizer segredos bem rente ao meu ouvido, não podes ver que expressão eu faria se visse o teu rosto. E, apesar disso, estás aí, tomando estas minhas palavras, acreditando na minha boa fé, na franqueza com que deponho as ideias que me vão ocorrendo no calor das tuas mãos.
Não me vês, pelo que não posso pedir a tua atenção, dizendo 'olha', não me ouves pelo que para quê dizer-te 'escuta'? Como pedir então que me vejas e me ouças?
E, no entanto, aqui estou, aí estás, confiando um no outro.
Acredita: esta sou eu, eu inteira.
Pode ser-se amigo de alguém que não se vê, não se escuta?
Quase diariamente aqui me sento à noite escrevendo para vocês, amigos sem rosto, amigos sem voz. E, no entanto, quase que posso ouvir-vos, quase chega até mim o brilho dos vossos olhos e o som suave da vossa respiração. Se eu sorrio, sei que vocês também me sorriem, se estou mais triste sei que vocês estão aí para me apoiarem, disponíveis um para o outro como são os amigos.
Meus amigos, amigos muito especiais, é o que vocês são para mim.
Obrigada por estarem aí.
[Hoje retomo Emerenciano, um poeta que desenha afectos em forma de palavras e, logo a seguir, uma voz desce dos céus para, através do corpo de uma mulher, cantar Rossini]
Fim de tarde, junto ao casario do Ginjal, na rua encostada ao rio. A Ponte sobre o Tejo embeleza o ocaso. |
Vê-me de costas
contrário da luz
não me olhes de frente
porque me perturbas
dentro o meu lado
luminoso que trago
ao passar pela lua
ou rente a candeeiros.
Vê-me de longe
ou perto do ouvido
onde a espiral me leva
a prender-te aos segredos
ganhos para os amigos
e tu podes ser um
muito especial.
['Amigo especial' de Emerenciano in 'Ir & Vir']
Amiga,
ResponderEliminarComo eu a entendo! Não aqui, mas noutros lugares, tenho despido para si a minha alma, as minhas dores, os meus problemas.
Ainda ontem, estive a pensar nisso. Como posso eu, contar a alguém, a quem nunca vi, aquilo que não digo a mais ninguém?
Não sei a cor dos seus olhos, não conheço o som da sua voz, nem sei quem é. O mesmo acontece consigo. O que vê na foto, que aparece publicada? Como pode ter a certeza que sou eu?
E no entanto, ninguém sabe tanto de mim.
E no entanto, contei-lhe coisas, que ninguém sabe.
Porque tenho uma confiança, tão completa?
Nem sequer tenho tentado, imaginá-la.
A única coisa que sei, é que tenho confiança em si.
O seu nome? o meu nome? Amiga.
O resto não importa.
É assim que interpreto o poema, de que gostei muito.
Agora, vou ouvir Rossini.
Beijinho
Mary
Minha amiga Mary,
EliminarGostei tanto disto que escreveu. Eu não sei se a fotografia é a sua mas creio que sim porque os seus filhos em meninos dão-lhe ares. Mas também não é relevante. O que é relevante é que das suas palavras transpira franqueza e isso não engana. Por isso, confio em si e não tenho dúvidas de que é 'confiável' e eu só espero ser sempre merecedora da sua confiança.
Beijinhos, Mary.
Amiga,
EliminarSou eu, sim. Aliás, há mais fotos minhas, no meu blog.
Um dia destes, mando-lhe uma, por Mail.
Claro que é merecedora da minha confiança.
Beijinhos
Mary
(Grande provocação)
ResponderEliminar"Amigo imaginário"
Cruzei-me contigo no Ginjal
máquina fotográfica em riste
descontraída caminhavas...
as sapatilhas
eram de quem anda muito por ali
roupa leve de quem percorre a muralha
como um miradouro
entre o Tejo e a encosta
do lado de cá do rio
estava frio
e o céu de ouro
foi ficando lusco fusco
e a máquina apressada disparava
e teu olhar ávido olhava olhava olhava...
não te conheço e como te conheço
sei que escreves noite dentro como eu
e às vezes penso que enquanto nós escrevemos
o mundo simplesmente adormeceu
há um ano
sabia lá eu quem tinha este jeito manso de ser
e de dizer
outras vezes uma forma desabrida
e este imenso amor à música às palavras e à vida
Até os meus conheces
e eu apenas te imagino
firme nas tarefas
mãe inteira
babada de netos
amante eterna e companheira
escreves poemas nas paredes do jardim
e guardas com esse teu manso jeito
cada palavra
cada som
cada momento
num cofre imaginário do lado esquerdo do peito
Cruzei-me contigo no Ginjal
(ou talvez não)
o gato louro igual ao meu
não quis falar de ti
(não faz mal... eu já esperava)
a écharpe "rosa cinza"
que teimosamente aconchegavas
era apenas o SINAL que me faltava...
Erinha,olá!
EliminarAs suas palavras deixam-me sempre parada a olhar para elas. Gostei tanto.
Sou assim mesmo. Sou mesmo assim como me imagina, como me descreve. Só a écharpe rosa cinza é que não sei. Já andei ali a esgravatar as minhas écharpes a ver se me estava a escapar alguma assim e não, assim não tenho.
Parecem palavras escritas com tanta facilidade, é essa sua inspiração que escorre como se respirasse.
Agradecer parece coisa pouca mas sinto-me agradecida porque me vejo retratada em palavras nunca imaginadas.
Muito obrigada, Erinha.
Muito obrigada pelos poemas, as fotografias e as palavras nocturnas.
ResponderEliminarUm abraço
Olá Leitora,
EliminarNão aceito agradecimentos... porque eu é que agradeço a quem me vem fazer companhia e que, ainda por cima, aqui deixa um bilhetinho.
Obrigada, Leitora.
PS: Há tempo ouvi que a internet está cheia de fotografias de gatos. Mas o que eu gosto dos gatos que por aqui andam, manhosos, sábios, esguios, disfarçados ou desafiadores, ou meigos....
A fotografia do gato nocturno é lindíssima e combina muito bem com o blogue!
ResponderEliminarOlá amiga
ResponderEliminarCruzar-me consigo no Ginjal não aconteceu...mas podia ter acontecido.
Quem sabe um dia?
Quanto à écharpe...não sei porquê...foi o poema que me levou nessa direcção. Às vezes têm vida própria.
O resto é tudo verdade. Tenho a certeza.
Obrigada pela "provocação"
Ainda bem que gostou.
Que engraçado. Eu, ao ler, parecia-me de tal forma eu que ali estava retratada que perguntei ao meu marido se se lembrava de alguma écharpe assim e ele respondeu 'sei lá!'... (outra resposta não seria de esperar...)
EliminarComo eu achei que era tudo tão real e que eu é que devia estar esquecida, ali andei a ver uma por uma, a ver se a descobria. Mas olhe que devia ser gira, cinza e rosa,ve eu adoro écharpes. Uma vez ofereci à minha mãe uma écharpe enorme, macia, uma mousseline ou coisa do género, e era cor de rosa muito claro de um lado e beige muito claro do outro, era mesmo muito bonita.
Que engraçada essa sua 'visão' e como eu me vi descrita no que escreveu.
(Acho que amanhã vou ver se descubro uma écharpe assim...)