Palavras, tantas palavras, palavras talvez a mais e tu, silencioso, e eu falo, falo, chamo-te amor, chamo-te meu querido, profiro juras, abraço-te, quero-te, abraça-me, meu amor, e tu silencioso e eu, palavras, palavras, e tu ouves e sorris e eu falo e falo e quero saber se é amor o que sentes, se é ternura isso que vejo nos teus olhos, se me queres junto a ti para sempre, e tu nada dizes, e eu falo, falo e digo que te quero ouvir, que te quero beijar, que te quero enlear e tu nada dizes e eu não sei se é amor, se é desejo apenas, se é só isto ou se vai para além deste momento e tu ouves, ouves em silêncio, em silêncio sorris e nada dizes e eu ameaço, que nunca mais me vais ver, que me esqueças, e falo, falo, e tu nada dizes, nada, e eu quero que me digas, diz, diz, quase grito e tu nada dizes e eu digo que me vou embora, para nunca mais, para sempre, e tu nada dizes, e eu odeio-te, odeio-te, ouviste?, e tu nada dizes, nada, e eu levanto-me, maldito, maldito sejas, maldito, maldito, mil vezes maldito, e tu, então, em silêncio, devagar, puxas-me para ti, fechas-me a boca com um beijo infinito, abraças-me e tolhes-me os movimentos com o calor que sobe do teu corpo tão desejado, e eu então sossego, já não quero palavras, não quero que me respondas, só te quero a ti, não digas nada, não digas, não digas.
[Num caloroso fim de tarde, palavras de desejo e amor junto a cenário quase irreal e um poema de Margarida Vale de Gato e, logo abaixo, inicia-se a semana dedicada a Berlioz com sonhos e caprichos]
Fim de tarde, um sol doce, o Tejo azul (e doce, quase salgado), Lisboa belíssima - e o amor |
Foi como amor aquilo que fizemos
ou tacto tácito? - os dois carentes
e sem manhã sujeitos ao presente;
foi logro aceite quando nos fodemos.
Foi circo ou cerco, gesto ou estilo
o acto de abraçarmos? foi candura
o termos juntos sexo com ternura
num clima de aparato e de sigilo.
Se virmos bem ninguém foi iludido
de que era a coisa em si - só o placebo
com algum excesso que acelera a líbido.
E eu, palavrosa, injusta desconcebo
o zelo de que nada fosse dito
e quanto quis tocar em estado líquido.
[Émulos de Margarida Vale de Gato in 'Mulher ao Mar']
Cara UJM:
ResponderEliminarTanta palavra, misto de oração e de feitiço, para despertar e celebrar o amor, sangue a ferver nas veias doiradas pelo sol de fim de tarde, aos pés da branca e clara luz de Lisboa. Belíssimo!! Sobretudo ao som de Berlioz!
E tenha uma clara e luminosa semana.
Abraço da
Luísa sobe a calçada
Muito obrigada, Luísa subindo a calçada,
EliminarOntem estava um fim de dia com uma luz dourada, pessoas abraçadas na relva sobre o rio, uma coisa irreal. Depois abro um livro e sai-me este poema. E, a partir daí, as palavras fizeram o seu caminho.
Gostei que tivesse gostado. Obrigada.