Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

26 março, 2012

Que nome dar ao poeta, esse ser dos espantos medonhos?

 
Um homem vai e sente a terra húmida e mole sob os seus pés, pousa os pés com muito cuidado, quase como se andasse sobre um ventre fecundado, não vá magoar. E, um pouco mais à frente, sente o véu ainda por cumprir de uma árvore ainda quase nua. E, mais à frente, ouve um pássaro que murmura doces e quase inaudíveis palavras, e continua e vê um rio parado, suave, esperando que seu olhar se encontre saciado. E o homem assim vai.

Um homem anda, e vai carregado de palavras, de sons, de choros, de risos, de silêncios. Este homem caminha por caminhos ainda não percorridos e vai sozinho, nem o pai, nem a mãe o podem ajudar porque ele caminha num tempo que é só seu, de uma forma só sua. E o homem assim vai. 

Este homem que por aqui anda, quase árvore, quase rio, quase pedra, quase grito, transporta junto ao peito, dentro da camisa fechada (para que não voem), todas as palavras que vai apanhando por onde passa. Desenterra-as com as suas mãos gretadas, apanha-as nas árvores, pesca-a nas profundezas do mar, segura-as entre as mãos quando elas passam em bando, voando à sua volta. 

A este homem, os miúdos da rua e os da beira da praia, as mulheres escondidas atrás das janelas, os velhos dos bancos da praça, os pescadores da orla do rio, chamam José, o homem dos sonhos, o homem dos espantos medonhos. Eu, que o espreito de longe, com envergonhada veneração, chamo Poeta, sagrado Poeta. E bebo-lhe as tão amadas palavras.



[Ruy Belo, aqui em baixo, explica melhor que eu quem é este homem e, um pouco mais abaixo, a grande música de Mendelssohn invade este espaço tão amado]

No Jardim do Ginjal, com o Tejo e Lisboa em manhã de neblina


                              Que nome dar ao poeta
                              esse ser dos espantos medonhos?
                              Um só encontro próprio e justo:
                              o de josé o homem dos sonhos.

                              Eu canto os pássaros e as árvores
                              Mas uns e outros nos versos ponho-os
                              Quem é que canta sem condição?
                              É josé o homem dos sonhos

                              Deus põe e o homem dispõe
                              E aquele que ao longo da vereda vem
                              homem sem pai e sem mãe
                              homem a quem a própria dor não dói
                              bíblico no nome e a comer medronhos
                              só pode ser josé o homem dos sonhos


                              ['José o Homem dos Sonhos' de Ruy Belo in 'Homem de palavra(s)']

2 comentários:

  1. Cara UJM:
    Interessante coincidência, Eva e Miguel acabaram de sugerir um poema de Ruy Belo.
    Mas esta fotografia, feita num feliz momento, está espantosa, parabéns! E parabéns pelos sonhos que nos traz através de "josé o homem dos espantos"
    Um abarço da
    Luísa sobe a calçada

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    1. Pois é, Luísa, e se me permite o plebeísmo: são mesmo coisas do 'caraças'... é que ontem eu tinha escolhido para aqui o 'esplendor na relva', só que já o tinha posto há tempos atrás e, então, optei por outro

      (http://ginjalelisboa.blogspot.pt/2011/07/eu-sei-que-deanie-loomis-nao-existe-mas.html)

      Quando hoje chego aos comentários no UJM vejo que, tão justamente, o lembrou lá onde ele também teria ficado tão bem.

      Fiquei mesmo contente, a sério.

      Quanto à fotografia, é outra das minhas paixões. E aqui, neste sítio, faço montes, montes delas e vejo sempre motivos novos que despertam o meu interesse. Pancadas...

      Obrigada!

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