Quando chego a casa assim cansada, deito-me e deixo que as pálpebras tombem, que o corpo descanse, e toda eu esqueço o dia que passei, toda a vida passada, tudo. Descanso apenas.
Tu aproximas-te então, encostas-te a mim, tiras-me a roupa com cuidados mil, e eu deixo que trates de mim. Sinto, então, que dos teus dedos nascem flores e as macias pétalas começam a tocar o meu corpo, e é uma doçura bondosa que eu sinto. Devagar, aproximas-te ainda mais e falas uma estranha língua, uma língua sem idade, e eu deixo que a tua língua me diga segredos murmurados e suaves.
Aproximas-te ainda mais, sinto o cheiro tépido e familiar do teu corpo, a tua boca beija-me com cuidada ternura e eu sinto o carinho com que tentas que o meu corpo descanse da intensidade do dia.
Então, quando eu estou totalmente tranquila e rendida, tu pegas-me ao colo e levas-me até à beira do mar. Aí chegados, tu, com gentileza e devoção, pousas-me como num templo e eu aceito, agradecida, que me tenhas levado à rendição.
Despida na beira do rio, dizes-me, então, baixinho, que pareço estar a flutuar e pedes, baixinho, que te leve comigo. Digo-te que sim, é o que eu quero e puxo-te: anda, põe-te aqui em cima de mim, vamos os dois.
E, sob um céu que brilha como que iluminado por mil velas, envoltos em segredos e estrelas proibidas, entramos os dois no mais profundo recanto do mar, lá onde o céu e o mar se tocam, lá onde os corpos se desfazem do desejo que os consome.
Se alguém nos visse diria, olha como aquelas duas estrelas brilham ou, então, lá vão dois anjos. Mas somos apenas nós, felizes, flutuando sobre o sagrado templo do mar.
Se alguém nos visse diria, olha como aquelas duas estrelas brilham ou, então, lá vão dois anjos. Mas somos apenas nós, felizes, flutuando sobre o sagrado templo do mar.
No Ginjal, gaivota pousada como uma deusa num altar. Ao fundo, Lisboa a bela, o mais sagrado templo. |
É um mistério esta claridade
que nasce de um corpo sem passado,
onde a leio numa língua sem idade,
adivinhando o seu futuro neste fado.
Caem pálpebras num cair de pano,
abrem-se dedos num florir de mão,
no seu jardim a primavera não é engano,
no seu rosal o amor está em botão.
Uma boca de pérolas envolve-a de segredo,
e dela tiro um brilho de estrela.
Respiro o seu perfume sem ter medo,
acendo nos seus olhos a última vela.
Levo-a como deusa ao templo do mar,
e vejo-a despir-se como se fosse flutuar.
['Vénus aérea' de Nuno Júdice in 'Guia de conceitos básicos']
bonito e delicado soneto, talvez com ele se pudesse compor um fado, como parece convidar o 4º verso.
ResponderEliminarPenso que o sujeito do soneto, do principio ao fim, é esta claridade. Tem versos muito belos que se podem retirar do todo e isolar que continuam a ser belos: Respiro o seu perfume sem ter medo ou Caem pálpebras num cair de pano, p ex, são belos versos mesmo se retirados do seu contexto.
Bela igualmente a glosa onde leio numa língua sem idade é uma estranha lingua e onde as palpebras que caem significam o cansaço.
bom exercicio, a glosa duma poesia, que é tambem uma forma de a ler.
É muito bonito, é bordado fino, dos antigos, dos demorados, dos clássicos. Um pano branco, luminoso, no qual pousam delicados bordados.
EliminarMuito bonito mesmo este poema, adorei.
Gosto de escolher um poema, escrevê-lo aqui (como quem faz uma cópia) e depois, sem pensar, escrever o que me vem à cabeça. É o que fica na minha cabeça depois da leitura do poema. Eu gosto de fazer isso.
no dia mundial da poesia
ResponderEliminarencontrei na estante
uma que dizia
algo raro mas que não
provocou em mim
especial reação.
tinha sido escrita
em tinta verde
e o papel ruim
mostrava o tempo
que tinha decorrido.
mas o raro era
que falava
de algum menino
que com impuro
pensamento contra
a árvore pedras
pensava arremessar.
Que te fez essa árvore,
para que a queiras
tratar assim,
perguntava.
no hace nunca
daño a nadie
y no se merece
tan mal trato
ya sea sauce pensativo
ya melancólico naranjo
Continuava a poesia
falando do caso
da arvore
e do menino
por 82 versos mais.
Estava o poema
encontrado na estante
assinado por um tal
nicanor parra.
fechei a gaveta.
e assim foi
no dia mundial
da poesia.
Isto li.
Caro Patrício Branco,
EliminarOntem não tive ocasião para lhe responder ou melhor, para lhe perguntar: é seu?! Diga-me... Achei tão engraçado pensar que tenha sido escrito por si, pensei que seria um estudioso atento, não um aventureiro poeta. diga-me. Gostei mas estou curiosa.
é por assim dizer a descrição duma leitura que fiz do poema
ResponderEliminardefensa del arbol do poeta chileno nicanor parra, misturada com invenções e falsidades:
http://www.nicanorparra.uchile.cl/antologia/poemasyantipoemas/index.html
DEFENSA DEL ARBOL
Por qué te entregas a esa piedra
Niño de ojos almendrados
Con el impuro pensamiento
De derramarla contra el árbol.
Quien no hace nunca daño a nadie
No se merece tan mal trato.
Ya sea sauce pensativo
Ya melancólico naranjo
Debe ser siempre por el hombre
Bien distinguido y respetado:
Niño perverso que lo hiera
Hiere a su padre y a su hermano.
Yo no comprendo, francamente,
Cómo es posible que un muchacho
Tenga este gesto tan indigno
Siendo tan rubio y delicado.
Seguramente que tu madre
No sabe el cuervo que ha criado,
Te cree un hombre verdadero,
Yo pienso todo lo contrario:
Creo que no hay en todo Chile
Niño tan malintencionado.
¡Por qué te entregas a esa piedra
Como a un puñal envenenado,
Tú que comprendes claramente
La gran persona que es el árbol!
El da la fruta deleitosa
Más que la leche, más que el nardo;
Leña de oro en el invierno,
Sombra de plata en el verano
Y, lo que es más que todo junto,
Crea los vientos y los pájaros.
Piénsalo bien y reconoce
Que no hay amigo como el árbol,
Adonde quiera que te vuelvas
Siempre lo encuentras a tu lado,
Vayas pisando tierra firme
O móvil mar alborotado,
Estés meciéndote en la cuna
O bien un día agonizando,
Más fiel que el vidrio del espejo
Y más sumiso que un esclavo.
Medita un poco lo que haces
Mira que Dios te está mirando,
Ruega al Señor que te perdone
De tan gravísimo pecado
Y nunca más la piedra ingrata
Salga silbando de tu mano.
É tão curioso o efeito que a poesia desperta em quem a gosta ou sabe ler. Por vezes, mais que as palavras em si, é a toada, é a própria música das palavras andando juntas - como talvez seja o caso. E é também curioso o efeito que a natureza, as árvores, tem sobre os poetas.
EliminarGostei muito de ler e de ler, depois, de novo, o seu poema, escrito após leitura. Se calhar costuma fazer isso e ainda não tinha contado...? Costuma escrever poesia?
Deve ser uma coisa libertadora, imagino eu - eu que não consigo ser contida a escrever.
Agradeço muito que, a mim e aos leitores aqui deste recanto, nos tenha dado a conhecer o seu poema/leitura e o poema que motivou a sa escrita.
bem, escrever escrevo, mas limitadamente. mantenho uma lista/registo de impressões de leituras, sobretudo de ficção mas tambem de teatro e poesia. Posso fazer uma critica formal, extensa, a um romance; ou um texto mais impressionista a um livro de poesia ou a um poema, como é o caso.
ResponderEliminarNas criticas mais estruturadas ponho inclusivamente a editora, o nº de paginas, o ano de publicação, o/a tradutora se é o caso, o preço, onde comprei ou li o livro, etc.
Tambem faço ocasionalmente poesia ou diário, mas sou mais preguiçoso, posso estar semanas sem escrever, alem doutro defeito, que é quando componho uma poesia, se volto a ela, corrijo a, modifico a várias vezes, a ponto de já não saber como era o inicial. Prefiro portanto fazer a resenha um livro que li de maneira mais disciplinada.
Enfim, tudo isto é uma maneira de passar o tempo, um exercicio intelectual.
Na mesma linha vêm os comentários em 4 ou 5 blogues que são um prazer se o blogue me estimula, como é o caso dos seus 2. Agradeço por isso a possibilidade que me é dada de escrever (comentar).
Mas a actividade mais regular que mantenho é de facto ler.
De facto ler é das melhores coisas da vida. Abre-nos portas, mostra-nos outros mundos, mostra-nos por dentro a cabeça de outras pessoas, transporta-nos para outras realidades. Tenho tanta falta de tempo para ler. Quando vou de férias, nem que seja por 3 ou 4 dias, vou carregada de livros e depois nunca leio nem metade. e estou cercada de livros que não arrumo para não lhes perder o destino e não consigo ter tempo. Um dia mais tarde.
EliminarAcho interessante isso que faz, de escrever as suas opiniões, críticas, impressões, é intelectualmente interessante e deve ser um prazer. Falar ou escrever sobre livros é um prazer.
Fico muito contente e orgulhosa que goste de ler e comentar o que escrevo. É tudo escrito à pressa, não tenho tempo para cuidar mas, enfim, talvez valha pela espontaneidade...
Obrigada (com toda a sinceridade).