Vens na minha direcção, sorris, queres ser perfeito, que nada macule a imagem que tenho de ti, tudo fazes para me agradar. E, no entanto, no último instante, tropeças, quase cais e, nesse inesperado desequilíbrio, és deselegante, mostras a tua fragilidade. Olho-te e onde, segundos antes, via um sorriso confiante, vejo agora um sorriso tímido, envergonhado, por pouco não caías, desprotegido, aos meus pés.
E, no entanto, mais do que a quase queda, o que me incomoda é que tenhas ficado envergonhado por tão pouca coisa.
Não sabes já que sei de ciência feita que não há coisas perfeitas, pessoas perfeitas, sentimentos perfeitos?
Não há e felizmente que não há. Jamais eu me poderia interessar por alguém que fosse quase perfeito (totalmente perfeito é coisa que não existe em nenhum reino da natureza).
Conheço-te bem demais e não perdoo que não distingas a sálvia de uma qualquer erva pouco nobre, que não saibas o nome da esteva, que não te deslumbres com o alfazema em flor, que não te preocupes com a falta de chuva que pode não deixar vingar os pequenos cedros. E não perdoo tantas outras coisas igualmente graves. E, no entanto, o que eu não perdoaria mesmo é que não houvesse nada a perdoar.
Não é possível o amor sem manchas, sem erros, sem desmandos, sem acusações, sem perdões, sem afastamentos definitivos logo seguidos de amenas aproximações.
Assim é a vida, meu amor, assim é o amor, minha vida.
[Nem parece que fui eu que escrevi isto... deve ter sido o espírito de Camões que aqui repousou por um breve instante. Mas, depois de, com olhos suaves e serenos, lerem a sua palavra já aí abaixo, não deixem se seguir até ao post seguinte onde um belíssimo concerto para violino dá início à semana que dedico a Brahms.]
Vós que, de olhos suaves e serenos,
com justa causa a vida cativais,
e que os outros cuidados condenais
por indevidos, baixos e pequenos;
se ainda do Amor domésticos venenos
nunca provastes, quero que saibais
que é tanto mais o amor depois que amais,
quanto são mais as causas de ser menos.
E não cuide ninguém que algum defeito,
quando na cousa amada se apresenta,
possa diminuir o amor perfeito;
antes o dobra mais; e se atormenta,
pouco e pouco o desculpa o brando peito;
que Amor com seus contrários se acrescenta.
['Vós que, de olhos suaves e serenos' de Luís Vaz de Camões]
o amor esconde e ofusca os defeitos?
ResponderEliminarse muito amamos não nos importam os defeitos da coisa amada? segundo o poeta assim é, mas quando o amor é perfeito. Na verdade "não é possivel o amor sem manchas nem tropeços"
optima ideia, um soneto de camões.
O amor não esconde nem ofusca os pequenos defeitos - mas tolera, ignora, releva.
EliminarImportam, sim, os defeitos da pessoa amada - mas os pequenos defeitos são deixados de lado; que interessam as coisas pequenas?
É tudo uma questão de prioridades e de gestão de tempo...
(Uma conclusão tão pragmática aqui ao pé de um soneto de camões... Que me desculpe ele lá onde estiver)
E não cuide ninguém que algum defeito,
ResponderEliminarquando na cousa amada se apresenta,
possa diminuir o amor perfeito;
Excelente mote e não menos excelente desenvolvimento nesse seu texto que assinala a força do amor como também aponta e releva defeitos.
A segurança perdida num desequilíbrio que ia levando a uma queda aparatosa, mostra quão frágeis somos e é bom termos isso em conta, não é?
Outra coisa, há quem diga que só amamos quem admiramos. Será verdade?
Beijos.
Olinda
Olinda,
EliminarEste poema é belo e sábio.
Sim, a fragilidade está sempre presente mesmo quando oculta - que ninguém se veja como perfeito, como intocável, como invulnerável. E que ninguém espere dos outros a perfeição.
Boa pergunta, a sua.
Acho que sim, que tem que haver admiração por quem se ama.
O desdém aniquila o amor. A indiferença também. Penso que temos que admirar (mesmo que seja por alguma pequena coisa, mesmo que o motivo não o justifique aos olhos de outros) para que o amor tenha sustentação.
Acho eu.
Um beijinho, Olinda.
Sim, acho que sim. Tem de haver algo que mantenha acesa a chama...
Eliminar:)
Beijos
Olinda