Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

02 fevereiro, 2012

Se disser a verdade mais triste que não quero dizer

  
In heaven eu planto árvores. Pego nelas ainda pequeninas, crianças indefesas, e com infindos cuidados, faço um pequeno buraco na terra inóspita e coloco-as como se as deitasse num berço, aconchego a terra à sua volta, deito-lhes água como se as alimentasse a leite. Quando há frio ou vento já eu ando em cuidados, com receio que tombem, que se partam, que sequem; se faz muito sol, tento que tenham sombra e, se por uma qualquer infelicidade alguma adoece ou morre, já eu sinto uma dor no peito, minha pequenina. Nesses tristes casos, é com desolação que as retiro, pequena morte que não pude evitar.

Mas quando vingam, alegro-me e vigio-as como se fossem crianças, passo por elas e faço-lhes ternas festas, amparo-as, e encho-me de orgulho. Quando se tornam adultas, é com alegria de mãe realizada que as sinto independentes, que as vejo a dar sombra, a acolherem pássaros, crianças.

Uma árvore é um bocado de vida, uma vida digna, bela, um ser que busca o céu, um ser alado que gosta de se cercar de azul, um ser que acolhe aves livres, aves que se amam, que têm filhos, uma árvore é uma casa, é um sonho. Uma árvore é a elegância em liberdade, é um ser verde e sábio, que encerra em si o mistério da renovação da vida.

E, à noite, uma árvore é um pássaro de grandes plumas verdes, é um arca sagrada plena de vida, é um caminho para o céu.


Árvores minhas cheias de vida, gosto eu de dizer baixinho, como se rezasse, com a vossa infinita bondade acolhei-me sob o vosso manto de sombra.

Árvores nossas cheias de beleza, árvores nossas cheias de vida.



[Passeemos, pois, sob este misterioso arvoredo e vamos até ali mais abaixo, que a música no parque vai animada, com Um Americano em Paris, quase a acabar a semana Gershwin ]

Árvores à noite em Belém, rente ao Tejo,
o Cristo-Rei ao fundo, um pequeno traço branco


                       Se disser a verdade mais triste que não quero dizer
                       Se a disser
                                        Como poderei dizê-la?

                       Eu já soube dizer azul
                       e é o verde que respiro agora
                       no arvoredo de um jardim
                       vendo as grandes árvores que nada dizem aos passageiros apressados
                       árvores de labaredas sombrias
                       não dizem sonhos     ascendem entre a terra e o céu
                       não prometem glória        mistério verde
                       árvores       amantes desconhecidas



['Contemplação das árvores' de António Ramos Rosa in Cultura ENTRE Cultura nº 4, belíssima revista]
  

4 comentários:

  1. vejo a humildade do poeta neste poema, uma declaração da dificuldade em dizer algo e não saber como fazer. Ou talvez tivesse preferido mudar de assunto e falou antes do verde da paisagem ou natureza. Sendo assim, nunca saberemos o que era a verdade mais triste.

    ResponderEliminar
  2. Caro Patrício,

    É isso mesmo, mudou de assunto, já soube dizer mas agora já não é capaz.

    Gosto imenso das suas análises, vai ao centro do pensamento. Fico sempre a pensar naquilo que
    escreve.

    Obrigada.

    ResponderEliminar
  3. semear ou plantar plantas é algo fascinante, vê las nascer, crescer, dar futo e flores. Tenho no meu terraço uma pequena oliveira, uma laranjeira e um limoeiro. e outras plantas. cuidamos delas como se fossem pequenos seres que necessitam de carinho. se crescem, sentimo nos felizes, se definham, p'erguntamo nos qual foi o erro.
    sem duvida que as pantas são seres que nos acompanham e com quem nos relacionamos com afectividade

    ResponderEliminar
  4. Caro Patrício,

    Percebo-o muito bem, sou assim também. Tenho desvelos, lá no meu terreno no campo, como o terreno é pedregoso e o tempo ventoso, é um sarilho para vingarem. Tenho que as proteger do vento, regá-las, guiá-las, porque, quando deitam corpo, ficam espigadotas, podem quebrar-se. E gosto de andar com um podão a aparar os ramos que nascem fora do sítio, é como se lhes cortasse o cabelo, ajeito-as. E fico feliz quando estão fortes e resistentes, belas. E gosto de lhes ver as rugas, o tronco que ganha volume como as pessoas. Adoro árvores, fotogarfá-las, vê-las, falar delas.

    ResponderEliminar