Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

01 fevereiro, 2012

Penso no exíguo espaço em que temos vivido

 
Combinamos encontrar-nos na minha aldeia para depois irmos juntos para outro local mais urbano. Saio do trabalho e venho a correr para aqui. Quero apanhar ainda a luz da tarde. Mas apanho um céu em carne viva e um sol dormente a afundar-se no rio. Fotografo, rendida, mil vezes rendida, tantas quantas assisto a este feérico espectáculo. 

E vou andando, a luz do dia esvai-se num instante e eu vou andando enquanto a noite vai estendendo os seus véus de veludo. Quase ninguém e eu ainda sozinha, uma aldeia à beira rio e quase toda só para mim.

Um ou outro vulto, alguns que passam correndo, já sei que vou ser censurada pela minha imprudência mas não consigo ter medo de nada, aqui sinto-me em segurança, estou na minha aldeia. Ali mais à frente há árvores e eu fotografo-as, mágicas, contra um céu escuro, junto a um rio com reflexos de prata. Logo a seguir, andando eu bem rente à água vejo uma gaivota lá em baixo, sozinha, solitária, olha o mar, sente a maresia e eu sou ela, ali, sozinha aspirando o fresco da noite que, entretanto, desceu. Um  silêncio escuro, fresco, dourado pela memória.

E então chegas, que um dia ainda me acontece alguma, mas eu explico que não, gosto de andar por ali, rente ao rio, rente a estes monumentos belíssimos cheios de História, estes locais que tanto representam o meu País. Eu teimosamente sozinha na noite no coração do meu País, enternecida, agradecida. Pertenço a duas ou três aldeias e esta é uma delas - a ela estou presa por laços de devoção.



[Meus amigos, nesta noite fresca e mágica, desçam um pouco mais, que logo a seguir ao poema encontrarão uma bela interpretação de uma conhecidíssima música de Gershwin.]

Hoje, já noite, na Torre de Belém - uma beleza mágica


                         penso no exíguo espaço em que temos vivido
                         cidades que conheci em todas as suas horas
                         e mesmo nas mais amargas concedi que
                         poderia seguir tendo-lhes ainda amor
                         sobra este sentimento de pertença a insistente
                         impressão de estar ao chão costurada a nossa
                         sombra de no mais escuro silêncio
                         podermos apenas evocar a memória de alguns lugares
                         cuja imagem guardamos com teimosia quase terna


                         ['Lisboa IX de Tatiana Faia in Lugano]           
           

2 comentários:

  1. Poesia pura, este seu texto. Já lhe disse que me sinto renovada neste recanto? Essa sua aldeia, os monumentos históricos que evoca, juntamente com as suas palavras e fotografias, belíssimas, situam-nos num espaço idílico. Quase que esquecemos o mundo lá fora...
    Gostei deste mote trazido através de um poema de Tatiana Faia, que eu 'conheci' em tempos no Bibliotecário de Babel.

    Bjs

    Olinda

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  2. Olinda,

    Que bom que este meu canto é aprazível. Gosto tanto do que aqui faço, a escolha do poema, da fotografia, o deixar que as minhas palavras voem à vontade.

    E o que eu gosto de passear e fotografar por aqui, sinto-me tão bem, é um local mágico, com uma vida que vem de longe.

    A Tatiana escreve muito bem e é tão jovem.

    Um beijinho, Olinda, venha sempre por aqui a passeio. Geralmente sopra uma aragem fresquinha que vem do rio.

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