Vou andando na vida, um dia após o outro. Sem pressa, sem vagar, sem inquietação, sem acomodação.
A cada momento vou descobrindo o momento seguinte, abençoando cada bocado de vida que me vai sendo oferecido. Não me pre-ocupo, resguardo-me para o momento em que, de facto, tenha que me ocupar.
Não sei nem tento antecipar o que vem a seguir. A cada dia se dobra uma nova curva e eu não sei o que está para lá da curva. Alçapões, armadilhas, ameaças? Ou castelos, fantasias, magias, delíquios? Ou um caloroso abraço, mil beijos, carinhosos sorrisos? Não sei, não penso nisso, não me inibo, não me atemorizo, não me iludo. A cada momento estou totalmente disponível para viver com intensidade e total entrega o presente, a oferta, o momento que nos está a ser tão gentilmente oferecido.
Apenas desejo ter ainda muito caminho para percorrer e tempo e energia para continuar a caminhar, a dobrar curvas, a descobrir o que há depois de cada curva.
[Abre-se hoje a semana que dedico a Franz Liszt. Por isso, permita que lhe dê o braço. Vamos descer um pouco mais, ver o poema de Caeiro (escrito na elegante grafia original) e, logo a seguir, ouvir o 1º concerto para piano? Vamos lá.]
Para além da curva da estrada
talvez haja um poço, e talvez um castello,
e talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Em quanto vou na estrada antes da curva
só olho para a estrada antes da curva,
porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
e para quillo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o logar onde estamos.
Ha beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se ha alguem para além da curva da estrada,
esses que se preoccupem com o que ha para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para elles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui ha só a estrada antes da curva, e antes da curva
ha a estrada sem curva nenhuma.
[Poema inédito de Alberto Caeiro in nº 3 da revista Cultura ENTRE Culturas, pag. 126, transcrito na grafia original]
Cara UJM:
ResponderEliminarEste poema de libertação prende-me hoje a quotidianos. Lembro-me da Grécia hoje e de uma longa recta nordestina há já muitos anos, com acidentes após acidentes ao entrar, deleitados, na curva…
J. Rodrigues Dias
Caro J. Rodrigues Dias,
EliminarCoitados dos gregos, agora completamente apanhados na curva...
Mas agora que me falou nisso, lembrei-me de um passeio de carro que fiz há poucos anos desde a Rivière até ao litoral de Itália, aquela costa lindíssima, com o mar verde transparente cá em baixo e com uma estrada cheia de túneis. De cada vez que se saía de um túnel ou de uma curva era uma vista de cortar a respiração. E Génova vista de cima! Um espectáculo.
Gostei de me recordar agora disto.
i.e. vive o momento, carpe diem, horacio,uma regra de vida, goza a vida enquanto é tempo.
ResponderEliminarUma palavra também para si, Caro Patrício Branco, num dia em que dos meus dedos não nascem palavras.
EliminarTal como escrevi em cima, na resposta ao comentário de J. Rodrigues Dias, no post anterior, hoje perdi um familiar muito querido e, ao ver estas suas palavras, não podia estar mais de acordo. A vida escapa-se-nos, às vezes mais depressa do que seria justo, mais depressa do que se esperava.
Muito obrigada pelas suas palavras.
momento triste, os meus pesames
ResponderEliminarCaro Patrício,
EliminarAinda desinspirada (e perdida de sono), faço questão de aqui lhe deixar o meu sincero agradecimento.