Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

21 fevereiro, 2012

Oh amor de todos os amores ácido como um banho quente


Pode amar-se um poema como se fosse gente? Pode uma pessoa imergir num poema como se fora um vagaroso banho quente? Podemos entrar por um poema como se entrássemos numa floresta cheirosa e húmida?

Pode, pode, pode. 

Pode gostar-se de palavras como se gosta de sorrisos, pode aceitar-se a nostalgia de algumas palavras como se aceita a doçura morna das lágrimas de amor. Quem muito ama a vida, muito ama as palavras.

Ando junto ao rio, e o ar está tão frio e azul, e os barcos passam silentes e dignos, e a grande cidade mostra-se nos espelhos das janelas e eu sinto que as palavras dos poetas andam por aqui, rondando as paredes gastas, murmurando sons inaudíveis, palavras soltas, palavras em busca de par, palavras que se misturam com os olhos límpidos dos gatos que se escondem nas casas desabitadas, palavras que chegam à praia trazidas pela corrente do rio.

Pode amar-se tudo isto? O ar tão puro, a aragem macia e o vento viril, o rio silencioso e belo, os grandes e indiferentes navios, os elegantes veleiros de suaves velas brancas, as paredes gastas, os gatos fugidios, os telhados partidos, as árvores que se vergam junto à margem, o homem que comigo percorre estes caminhos, e as palavras que esvoaçam à minha volta e as palavras que saem dos livros para aqui se aninharem junto a mim e os poemas que os poetas portugueses soltaram nos céus que nos protegem?

Pode. Assim é o meu amor.



[Deixe-se levar pela maresia doce, deguste o poema de Regina Guimarães e, depois, com vagar, deixe-se ir até a Carnaval de Schumann, belíssimo]

Janela no Ginjal, reflectindo o Tejo e Lisboa do outro lado


                               Oh amor de todos os amores
                               ácido como um banho quente
                               longo como um naufrágio
                               doce como um sumo de floresta.

                               Não se pode estar na poesia
                               como numa prisão
                               pobre contagem de cada dia
                               pelos dedos duma bela sem senão
                               e nenhuma parede onde riscar
                               o par do número par.

                               Nenhum espelho
                               nem a vontade de o quebrar.


                               [Poema de Regina Guimarães in 'Vozes e Olhares no feminino']

4 comentários:

  1. Querida Jeitinho
    Conforme prometi, aí vai:
    Dia 8 de Março, no Palácio de Marquês da Fronteira, julgo pelas 21 h (a confirmar) o pianista DOMINGOS ANTÓNIO apresenta o seu novo trabalho.
    Acho que vai valer a pena!

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  2. Erinha,

    Farei os possíveis e impossíveis para lá estar. E o sítio é uma maravilha! Obrigada!

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  3. Correcção: Afinal o concerto é às 18,3O e não à noite.
    Vai tocar Schumann, Chopin e Liszt.
    Quem sabe se nos vamos conhecer...

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  4. Ui... hora muito complicada para mim... Mais em cima do acontecimento é que posso ver se consigo.

    Um dia destes podia deixar o seu endereço de mail num comentário, que eu não o publico, claro, mas posso contactar consigo se for caso disso. Pode ser? Se não quiser esteja à vontade, está bem?

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