Disse-te adeus e saí. Pouco mais tinha a dizer, fiquei sem palavras. Não te beijei, não te abracei - seria doloroso demais, seriam os últimos gestos de carinho. Assim beijei-te e abracei-te um dia antes pensando que os últimos viriam depois. Não vieram.
Talvez um dia metade do mundo desapareça e nós dois façamos parte da metade que fica. Foste tu que um dia o disseste. Mas nem sei já se o quero. Se isso acontecesse, seria quando? Daqui por muito tempo, quando já formos outros. Nós mudamos, meu amor.
Agora, aqui sozinho sobre o rio negro, ouvindo as gaivotas, pequenos pontos brancos que esvoaçam junto a mim como se fossem pontos de esperança sob um céu negro, eu aqui perdido no meio da noite silenciosa, olho um horizonte que não vejo, e penso que perdi uma parte de mim.
Queria ter aqui, comigo, o teu rosto de menina, o teu sorriso feliz, queria a tua mão suave sobre o meu braço, queria sentir o desejo no teu olhar, queria espreitar-te o decote, queria sentir as tuas pernas, queria ouvir a tua voz, queria sentir o teu afago nos meus cabelos, queria que me chamasses 'meu menino', queria que me quisesses para sempre, queria que a vida não nos tivesse juntado para logo nos separar, queria tão pouca coisa, minha querida, e não tenho. Palavras que assim penso, coisas que vêm e não vêm ao caso, soluços mudos, neblinas densas afogando os meus sentimentos proibidos.
Já é tarde e não consigo recuperar da violência do adeus.
[O piano de Schumann aqui já a seguir contam o resto da história]
Em Belém à noite, mesmo sobre o Tejo |
Vozes e azul claro o céu, vozes ao longe,
o céu de breu
a tua face de anjo ou demónio
o sorriso
demasiado perto do meu
Estalidos secos na língua
março com sol e neblina
no meu e no teu corpo
o desejo
Dizes o que vem e não vem ao caso
porta fora, porta dentro,
imploras mais um beijo, um abraço,
uma qualquer forma de entendimento
Já é tarde e quedamo-nos na violência
do adeus
[Poema de Helga Moreira in 'Vozes e Olhares no feminino']
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