Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 fevereiro, 2012

Já é tarde e quedamo-nos na violência do adeus


Disse-te adeus e saí. Pouco mais tinha a dizer, fiquei sem palavras. Não te beijei, não te abracei - seria doloroso demais, seriam os últimos gestos de carinho. Assim beijei-te e abracei-te um dia antes pensando que os últimos viriam depois. Não vieram. 

Talvez um dia metade do mundo desapareça e nós dois façamos parte da metade que fica. Foste tu que um dia o disseste. Mas nem sei já se o quero. Se isso acontecesse, seria quando? Daqui por muito tempo, quando já formos outros. Nós mudamos, meu amor.

Agora, aqui sozinho sobre o rio negro, ouvindo as gaivotas, pequenos pontos brancos que esvoaçam junto a mim como se fossem pontos de esperança sob um céu negro, eu aqui perdido no meio da noite silenciosa, olho um horizonte que não vejo, e penso que perdi uma parte de mim. 

Queria ter aqui, comigo, o teu rosto de menina, o teu sorriso feliz, queria a tua mão suave sobre o meu braço, queria sentir o desejo no teu olhar, queria espreitar-te o decote, queria sentir as tuas pernas, queria ouvir a tua voz, queria sentir o teu afago nos meus cabelos, queria que me chamasses 'meu menino', queria que me quisesses para sempre, queria que a vida não nos tivesse juntado para logo nos separar, queria tão pouca coisa, minha querida, e não tenho. Palavras que assim penso, coisas que vêm e não vêm ao caso, soluços mudos, neblinas densas afogando os meus sentimentos proibidos.

Já é tarde e não consigo recuperar da violência do adeus. 



[O piano de Schumann aqui já a seguir contam o resto da história]

Em Belém à noite, mesmo sobre o Tejo


                                  Vozes e azul claro o céu, vozes ao longe,
                                  o céu de breu
                                  a tua face de anjo ou demónio
                                  o sorriso
                                  demasiado perto do meu

                                  Estalidos secos na língua
                                  março com sol e neblina
                                  no meu e no teu corpo
                                  o desejo

                                  Dizes o que vem e não vem ao caso
                                  porta fora, porta dentro,
                                  imploras mais um beijo, um abraço,
                                  uma qualquer forma de entendimento

                                 Já é tarde e quedamo-nos na violência
                                 do adeus


                                [Poema de Helga Moreira in 'Vozes e Olhares no feminino']
                   

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