Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

27 fevereiro, 2012

Com sílabas de palavras caídas em desuso o teu nome volta a formar-se


Há um brilho no ar, no mar. Há gaivotas que voam livres e brancas (sempre estes grandes pássaros que habitam a minha vida), e há um cristo ao longe que nos protege num longo abraço, há um céu luminoso, há um sol quase quente e sinto que há, dentro de mim, dolorosos pequenos pedaços de seda, de sonho, plumas, penas, dores, lágrimas, pequenos nadas que eu gostaria de colar.

Mas fecho os olhos e vejo-te, distante, e eu de mãos vazias, olhos ocos, voz seca. E abro-os de novo e penso em pedras soltas, pequenas contas de um colar que se partiu, folhas rasgadas, folhas secas, pétalas num saco, sem cor, quase sem cheiro, e eu aqui sozinho, derrotado.

E então forço-me. Olho de novo o mar que brilha, sinto o sol que cintila sobre as águas e formo letra por letra, sílaba por sílaba, o teu nome, um nome que se perdeu no tempo, que se afastou na distância de um abraço que ficou por dar. Olho a gaivota que voa sobre mim e, finalmente, consigo dizer o teu nome, o teu nome dito baixinho, num sussurro, num receoso sopro. Depois fecho os olhos e acrescento: vem.


[Festejemos, pois, um nome que se voltou a dizer, um reencontro que se deseja. Detenhamo-nos no poema e, depois, sigamos até à dança de Brahms, dancemos, festejemos.]

Contemplação do horizonte, brilhante, tangível


                            Colo-as. Mesmo aos pedaços
                            demasiado pequenos. Com sílabas
                            de palavras caídas em desuso
                            o teu nome volta a formar-se.
                            As coisas recuperadas seguem-no. Partem-se de novo
                            por raramente resistir a pronunciá-lo.
                            Dizê-lo é uma espécie de vitória.


                            ['As coisas recuperadas' de Inês Fonseca Santos in 'As coisas']

4 comentários:

  1. Querida UJM

    Tudo de feição: as gaivotas, o sol,céu luminoso, os pequenos e preciosos nadas e a vontade de reunir e colar tudo num amplexo duradouro.As sílabas de palavras em desuso não serão obstáculo, bastando recuperá-las e dar-lhes o sentido contextual numa viagem que vale a pena. E valeu a pena: Vem.

    Como sempre, um texto que deixa água na boca tal a envolvência e o sentido poético. E deste manancial jorra preciosidades destas todos os dias, o que me deixa perplexa. :) Aqui há talento...

    Minha querida, um excelente dia de trabalho. O dia hoje está meio cinzento mas está na hora de começar a mudar e a conceder-nos alguma chuvinha...Lembrei-me agora de Linda de Suza: 'chuva,chuva,chuvinha..vem para a nossa terra...' :))

    Beijos

    Olinda

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  2. Olá Olinda, que bom vê-la já circulando e boa de saúde.

    E afinal ainda não choveu, as terras secas, ressequidas, uma pobreza.

    Isto de escrever é vício, sabe lá... Sento-me aqui e já passa das 10 da noite e ainda tenho toda uma 'jornada' para cumprir: escolher a música, escolher o poema, copiá-lo, escolher uma fotografia, escrever o que me vem à cabeça, seguir para o UJM, dar largas a tudo o que me ocorrer e com isso já lá vai a 1 e tal da manhã. O que vale é que chego a domingo e durmo até mais tarde. Mas é um gosto, um gosto mesmo.

    Vou agora dar início...

    Obrigada, Olinda, pelo seu incentivo, sempre tão cheio de gentileza.

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  3. bonita apresentação, com o azul e a pintura. A anterior amarela forte parecia me um pouco agressiva.
    Interessante e fascinante isso da silaba, fracções em que se articula uma palavra, sem significado isoladamente, partes sonoras e ritmicas dum todo. Gosto das palavras duma silaba, sol, tu, eu, etc. Talvez algumas sílabas tenham caido em desuso, não sei. Acho que não.

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  4. Caro Patrício,

    Ainda hei-de perceber como fazer para acertar com as cores. Aqui neste em que mexo no blogue eu via-o num tom de mel, suave. Quando o via noutro computador, aparecia-me berrante, ostensivo. Desisti. Com estes azuis também os vejo aqui de uma maneira e noutros vejo-os ou mais abertos ou mais escuros - mas, enfim, azul é azul e nunca se torna tão chocante.

    Quanto às palavras, a mim o que me fascina é como com símbolos que se juntam, se formam palavras que exprimem sentidos e como, por vezes, conseguimos subverter o sentido usual e dar primazia à toada, à expressão do sonho, à fantasia, à provocação.

    Brincar com as palavras. Podem ser palavras de uma sílaba ou podemos juntar várias dessas pequenas palavras e fazer uma palavra maior.

    Acho que há um lado infantil nisto. Para mim há muito de lúdico nisto.

    Às vezes apetece-me dizer coisas aparentemente sem sentido e depois imaginar que sentido poderiam ter.

    Tontices. Acho que é para espairecer de dias inteiros de uma actividade que é o oposto disto.

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