Era uma vez um homem magro de cabelos brancos. Era uma vez um homem magro de cabelos brancos, barba branca e olhos doces de menino.
Era uma vez um homem doce de sorriso de menino, sem idade, um homem quase transparente, um homem que era poeta.
Os homens bons que são poetas encontram palavras exactas e belas para descrever as coisas e, melhor ainda, para descrever os sentimentos.
Era uma vez um homem que encontrou uma mulher bonita, com olhar meigo de menina. Essa mulher que o poeta encontrou sabia também o efeito lúdico e curativo das palavras. E, então, ela sentava-se, tranquila, rosto doce apoiado numa mão, ouvindo as palavras pausadas e sentidas do poeta.
E o poeta, sorrindo, apaixonado, dizia-lhe amanheceu a minha vida no teu rosto e ela sorria, um sol a nascer no olhar e o poeta continuava foste sonhada por meus olhos e minhas mãos por minha pele e por meu sangue e ela, lábios entreabertos, sorria, sentindo a pele beijada pelo olhar do poeta, sentindo a pele percorrida pelas mãos macias e quentes do poeta. E o poeta ajoelhava-se aos pés da mulher sobre a qual a luz incidia e dizia-lhe baixinho e é porque existes que se levanta o mundo em quotidianos prodígios.
E então a mulher do poeta ajoelhava-se ao lado dele, passava-lhe os braços em volta do pescoço, sorria e dizia-lhe se o dia tem todo este fulgor é porque existes.
[A seguir, descendo, encontraremos um belo poema de amor e logo abaixo, Romeu e Julieta de Prokofiev - que outra música poderia eu escolher para acompanhar este apaixonado poema de António Ramos Rosa dedicado á sua mulher, Agripina Costa Marques.]
Amanheceu a minha vida no teu rosto
de uma doçura intensa e tão suave
como se um divino fundo nele brilhasse
Eu era o que nascia soberanamente leve
e encontrava na limpidez o centro do equilíbrio
Só em ti cheguei amanhecendo na minha madurez
Entrei no templo em que a luz latente era a secreta sombra
Foste sonhada por meus olhos e minhas mãos
por minha pele e por meu sangue
Se o o dia tem este fulgor inteiro é porque existes
E é porque existes que se levanta o mundo
em quotidianos prodígios
em que ao fundo brilha o horizonte certo
['Para Agripina' de António Ramos Rosa in 'O teu rosto' mas transcrito de 'cultura ENTRE cultura']
Olá UJM, sabe que só agora estou a sentir verdadeiramente o efeito balsâmico deste seu blog? É tão bom percorrer estas veredas de paz, (re) encontrar poetas fascinantes, imagens lindas e músicas eternas. Uma pausa luminosa no quotidiano. Obrigada.
ResponderEliminarCara UJM:
ResponderEliminarMuito bonito o poema e o enquadramento com que o adornou de beleza.
Parabéns.
Não resisto a transcrever do poema:
"...Só em ti cheguei amanhecendo na minha madurez
Entrei no templo em que a luz latente era a secreta sombra...".
Obrigado.
J. Rodrigues Dias
Olá Leonor, que surpresa boa vê-la por aqui, que contente que fiquei!
ResponderEliminarSabe que eu, todos os dias (excepto uma folga às 6ªs e sábados), é por aqui que ando antes de ir para o UJM. Faz parte da minha rotina diária, preciso de lavar-me das poeiras que trago do trabalho. Preciso de música, de poesia, preciso de escrever ao acaso, ir no seguimento da imagem que me fica da leitura do poema que escolho.
Fico mais livre depois de cumprir esta minha 'tarefa'.
Fico muito contente que tenha gostado.
Obrigada, eu, Leonor!
Caro J. Rodrigues Dias,
ResponderEliminarHá dias em que escrevo em estado de empatia com o poema que acabei de ler ou com o poeta que o escreveu (pelo menos assim me sinto). Foi o caso de ontem.
A fotografia do poeta que estava a ver enquanto escrevia, a fotografia da mulher, o poema que tão bem descreve a ligação profunda entre duas pessoas que estão numa fase avançada da sua vida, tudo isso me deu uma ternura enorme, deu-me vontade de me render a eles, ao poema, ao poeta, ao amor da vida do poeta.
Obrigada pelas suas palavras. Vejo que o poema também lhe diz a si qualquer coisa de especial e compreendo que assim seja porque também é um poeta.