Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

09 janeiro, 2012

(...) quando me olhas de olhos como estrelas, minha vida.


Ando ao longo da muralha, passeio pelos cais, vejo os belos veleiros que passam neste rio tão amado. Depois recolho-me no meu mundo. Aqui, neste grande armazém, construo mastros. Para aqui trago os troncos que deixo envelhecer. Depois escolho-os, passo as mãos pela madeira envelhecida, aparo-a, sinto o aroma doce e quente da madeira. Afago estes troncos macios que são tão fortes. Faço mastros, os melhores mastros. Velas nem vê-las.

Fico aqui até ser noite. Os gatos entram e aconchegam-se uns nos outros, está-se tão bem aqui. Tiro da grande arca as folhas, os compassos, as réguas, as canetas, as limas, as goivas, os meus instrumentos, os óleos, o meu tesouro. Faço medições, faço cálculos, faço desenhos. Depois saio, descanso a olhar no rio, deixo-me levar pelo voo gracioso e livre das gaivotas. Regresso, recomeço. Vou para a madeira, meço-a, ajeito-a.

E então, alguns dias, quando a lua ilumina as águas, não é o som dos gatos que eu ouço: és tu, minha amada, és tu que vens até mim. Trazes-me pão, vinho e sentas-te comigo na mesa junto à porta de onde se vê o céu e as estrelas.

Depois, levas-me pela mão, eu fecho a arca, tapo o céu e deitamo-nos rente ao rio, iluminados apenas pelos teus olhos que brilham como estrelas.



[As palavras que abaixo lerão no belíssimo poema de Pedro Tamen pedem que uma música tocante, pedem uma harmonia que brilhe; siga, pois, até mais abaixo para ouvir o Vocalise de Rachmaninov]


Avistado do Ginjal, veleiro no Tejo, bem de frente para Lisboa
(bem visíveis as Torres das Amoreiras)


                               Impenitente criador de mastros,
                               quanto a velas nem vê-las
                               - mais que de fugida
                               quando me olhas de olhos nas estrelas,
                               minha vida.

                               Dos astros
                               desço então à hora parca
                               que o destino nos deu:
                               e fecho a arca,
                               e tapo o céu.



[Poema de Pedro Tamen a publicar no próximo livro que, presumivelmente se chamará Rua de Nenhures - publicado entretanto na Revista Relâmpago]


                      

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