Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

08 janeiro, 2012

Perfeitos os amores sem piedade

  
Há algo de imortal nas promessas, dizia Jorge Luís Borges. O que eu digo é um pouco diferente - há algo de imoral nas promessas. Imoral.

Não me prometas nunca nada e eu, como sabes, também nunca nada de prometo. É imoral.

Podemos, se quisermos ser gentis e fúteis, fingir que acreditamos no que dizemos ou no que ouvimos, podemos sorrir, agradecer, tomar as mãos um do outo, falar baixinho e fazer de conta que sabemos o que queremos daqui por algum tempo, fazer promessas para sempre, jurar amores e fidelidades eternas.

Mas sabes que eu não sou gentil, sabes que sou desapiedosa. Sabes que não gosto de fazer de conta. Olho-te nos olhos e digo-te, sem qualquer compaixão: amanhã não sei como vai ser. Baixas os olhos. Dizes que tu sabes. Mas eu não acredito, não quero que saibas. Quero que cada dia, um após o outro, me descubras, me conquistes, me convenças, me dobres, quero que, a cada dia, eu seja a melhor opção.

E, então, tu dizes, escuta este poema Como um amor que dói sem ter nascido, num verso cabe a vida e o seu olvido. Sorrio. Aconchego-me no ninho quente e acolhedor do teu ombro e digo-te: Não me vou nunca esquecer de ti - isso eu posso prometer-te.



[Juras imorais, versos com a vida dentro - temos que acompanhar com a grande música. Desça, por favor, vamos dar início à semana Rachmaninoff]


A grande e bela cidade, de onde nascem as grandes e imorais promessas

          
           Há algo de imortal numa promessa,
           dizia Borges num poema seu.
           Lembra-me só, sem que eu sequer te peça,
           esse esquecido verso quem mo deu.

           Podia ser quem mais desconhecesse
           um jogo que entre versos e temores
           da nossa própria vida se tecesse
           em doida suspeita de fulgores

           Perfeitos os amores sem piedade;
           abolidas certezas; e a paixão
           podia ser tão só a claridade
           da noite a agonizar à nossa mão.

           Ninguém estende a mão a um poema
           que a memória não saiba transformar:
           neste, corpos e versos são o tema
           dos jogos que aprendemos a jogar.

           Como um amor que dói sem ter nascido,
           num verso cabe a vida e o seu olvido.


[Epígrafe com um verso de Jorge Luís Borges in '366 poemas que falam de amor', antologia organizada por Vasco Graça Moura]

 

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