Passas a tua mão pelo meu ventre e sorris. Dizes neste ninho viveram os meus dois passarinhos e eu passo a mão pelo teu rosto que sorri, nem parecem tuas estas palavras.
És um homem de poucas palavras, vejo-te a olhar os telhados e os pássaros que pousam nos beirais mas não dizes nada, vejo-te a olhar o rio e os barcos que passam, deixas que o teu olhar por lá fique, aquietado, mas não dizes nada. E eu não interrompo o teu olhar que precisa de silêncio.
Às vezes, à tarde, vais comigo até ao miradouro e ali ficamos a olhar as ruas, o elevador, as crianças, os repuxos em que os pombos se refrescam, abraças-me, uma ternura quente a vir de ti, sorris, e nadas dizes.
Mas hoje de manhã, na cama, viste-me despida. O sol entrava pela janela, abriste-a ainda mais, quiseste-me banhada pela luz, a pele branca, despida e tu olhavas-me sorrindo, e um pássaro pousou no parapeito e cantou e eu sorri e, então, tu vieste deitar-te ao pé de mim: deixa-me ver-te, deixa que a luz ilumine ainda mais o teu corpo, deixa-me ver as tuas estrias que parecem madrepérola, tão macias, deixa-me passar por estes finos sulcos os meus dedos, deixa-me que toque estes veios que a vida lavrou no teu corpo, minha mulher querida, mãe dos meus filhos, meu amor.
E então entraste docemente na casa que tanto amas, uma casa feita à tua medida. Meu amor.
[Por favor... que entrem os violinos! Paganini vem já aí, a seguir ao poema de Luís Filipe Parrado]
Cumplicidade e ternura numa doce tarde de inverno em Lisboa |
Não sou capaz de estranhas paixões
e amo, como muitos, o vento forte
que agita a roupa estendida nas cordas,
as bicicletas ferrugentas
de pneus furados
esquecidas em garagens e arrecadações,
a água fresca que mata a sede
ao mais miserável dos homens.
Mas se, como outros, amo os dias de intensa luz
e o descuido dos pássaros no ar,
ninguém ama como eu
as estrias do teu ventre,
a primeira casa de dois filhos.
De todas as coisas prodigiosas que conheço
são elas o que mais se parece
com os rasgos abertos por um arado
na terra crua deste mundo.
['O que mais amo' de Luís Filipe Parrado in Criatura]
Um hino ao Amor!
ResponderEliminarE para quê mais palavras,
se o silêncio então tudo diz,
com Paganini ao fundo…
J. Rodrigues Dias
Muito obrigada pela compreensão. É isso mesmo, um hino ao amor total, na simplicidade das coisas.
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