Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

05 janeiro, 2012

Não eras senão um corpo

 
Olhas-me de lado, aprecias-me. As coxas, as ancas, sinto o teu olhar a subir pelo meu corpo. Viro-me e aprecias a dimensão dos meus seios. Deixo que olhes.

Nem vês o meu rosto, nem saberias dizer a cor dos meus olhos. Reparo que os teus lábios se entreabrem. Olhas-me guloso e eu não me furto ao teu desejo. Sou carnal, pois sou. Sou carne e gosto de ser vista, tocada. Mas tu não te aproximas, vejo que tens receio. Olhas mas em silêncio, com distância. Ando um pouco mais para que vejas como meneio as ancas, como requebro os quadris, fêmea em dança de sedução.

Olhas-me, a língua passando pelos lábios, os dentes mordendo depois o lábio de baixo. Imaginas, talvez, a minha nudez. Talvez. Vejo que um desejo intenso tomou conta de ti. Mas não te mexes. Para ti sou um corpo, apenas um corpo, mas um corpo demasiado evidente que te intimida.

Espero um pouco. Nem uma palavra, nem um sorriso, nem um movimento. Penso vou contar até três - um, dois, três. Nada. Sorrio-te, uma última tentativa. Nada.

Então viro-te as costas e vou-me embora. Não mais me verás, homem desalmado.


[Depois desta dança, sigamos para um outro bailado. Um bailado num lago, neste lago. Desça um pouco, Tchaikovsky levar-nos-á até ao Lago dos Cisnes]

Mulher e homem em Belém


                                            Não eras senão um corpo
                                            mas atenção, eras o corpo

                                            Melhor assim, ao menos
                                            não foi preciso inventar-te

                                            Para quê se eras assim
                                            carnal e evidente

                                            Como o desejo intenso
                                            como a simples nudez



(Poema, pag.21, de Rui Caeiro in 'O quaro azul e outros poemas')

 

4 comentários:

  1. o reverso da cronica de entrada, falo do poema, a mulher fala no texto da entrada, o homem fala pelo poema. Nenhum deles se ouve um ao outro, só o leitor fica a perceber o que cada um diz em pensamento. Interessante combinação de texto, poema e fotografia.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Caro Patrício,

    Foi mesmo isso que me ocorreu ao escolhere esta fotografia para ilustrar o poema. Que cada um pensasse ao olhar o outro mas sem que nenhum deles 'ouvisse' as palavras do outro e que, assim, cada um acabasse por seguir seu rumo.

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  4. Cara Ana de Sá,

    Como escreveu que o comentário era pessoal não o publiquei - mas com pena. Guardei-o, de qualquer forma. Se, no entanto, percebi mal e me autoriza que o publique, diga-me, está bem?

    Um bom domingo e que os dias (e as noites) lhe sejam leves.

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