Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

24 janeiro, 2012

Eu volto o rosto para cheirar-te quando passas


- Vou fechar os olhos e vou descrever-te. 

- Está bem. Fecha-os bem. Cheira-me apenas. Descreve-me pelo meu cheiro.

- Tens uma blusa justa, decotada, por onde espreito o elevar dos teus seios macios, tens uma saia justa onde terminam umas pernas altas e torneadas, tens um casaco que disfarça as curvas do teu corpo, tens um cabelo comprido, com cheiro a alperce e a uvas, tens uma pele macia, muito doce, que cheira e sabe a mel.

- Acertaste em quase tudo mas agora diz de que cor é a blusa, de que cor é a saia, de que cor são os meus lábios.

- A blusa talvez seja azul mas debaixo da blusa é que a mim mais me interessa e era capaz agora de desenhar a curva dos teus seios; a saia talvez seja azul escura mas interessa-me mais o que sob ela se esconde; e os teus lábios são vermelhos, da cor do teu coração, e brilhantes como a saliva que agora me apetece.

- E o fogo que trago no meu corpo, de que cor é?  

- O fogo do teu corpo é da cor das chamas que trago no meu peito. 

- E porque lavra um incêndio dentro de ti?

- Porque o meu corpo é pasto para as chamas que se soltam do teu olhar e eu só sei de uma forma de o apagar.



[Não sei se os violinos de Paganini apagam ou amotinam este incêndio mas talvez aqui seja a única opção - desça um pouco mais, é logo a seguir ao poema de José Miguel Henriques.]



                                 eu volto o rosto para cheirar-te quando passas
                                 para decorar de ti algum contorno
                                 saber por fim que lume trazes
                                 junto ao corpo

                                 que incêndio apagas
                                 ou amotinas


                                [Lume de João Miguel Henriques in 'Isso passa']

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