Seguindo rente ao rio que, neste dia, estava coberto por um denso manto de nevoeiro, respirando as finíssimas gotículas de céu e rio, ouvindo os gritos de invisíveis pássaros, eis que vejo surgir, ao longe, dois vultos, dois vultos quase iguais. Foco o olhar, ajeito a máquina, e vejo que são dois homens que caminham lado a lado, conversando.
Fotografo-os sem que eles me vejam, e penso: quem sou eu que assim me escondo para colher pessoas como se colhesse flores, para chegar a casa e aqui as dispor junto a poemas, como se fizesse composições ou arranjos florais? Quem sou eu que deslizo, silente, fotografando o rio, o céu, os gatos, as pessoas, e os despojos? Quem sou eu que aqui ajeito palavras como estas depois de ler poemas, depois de os enfeitar com as minhas fotografias? Quem sou eu que depois ando na terra, afagando pedras e árvores? Eu que vivo, durante a semana, fechada numa torre de vidro sem janelas, vivendo uma vida executiva, desprovida de poesia e onde não entra o som dos pássaros, o cheiro da terra, a aragem do mar? Quem sou? Eu que que gosto de aqui estar, em silêncio, pela noite dentro ou a que precisa de trazer crianças ao colo, sorrisos no coração, abraços e beijos? Quem sou eu? Eu que amo as palavras, que me apaixono por uma frase, que me emociono com uma imagem, com um som? Ou a que vive rodeada de números, gráficos, regras, procedimentos, decisões racionais? Quem sou eu? Sou todas estas?
Penso que sim, sou todas estas e sou sobretudo a menina de longos cabelos que brilhavam ao sol, dourados, soltos ao vento ou amorosamente ajeitados em longas tranças, a menina que ria muito, que corria, que brincava e pregava partidas, que fazia muitas perguntas, que se aventurava por indevidos caminhos, e que lia, que lia, que lia muito. Eu, todas.
[Em dia de polifonia ou de ambiguidades ou de unidade na multiplicidade, sabe bem ouvir violinos, um concerto para dois violinos, vibrante como é a música de Vivaldi. Desça, é já a seguir ao poema.]
No Ginjal, rente ao Tejo, dois homens envoltos em nevoeiro |
Ao que veio a mim queria saudá-lo
como se fosse um estrangeiro
e de entre o meio das pedras
aparecendo-me, rosto queimado de sol,
abraçá-lo e perguntar-lhe sem medo
que estradas havia percorrido. Sentando-me
com ele lado a lado, como se de mim
não viesse, saudando-o
como a um irmão sob o sol tímido
de um verão por florir, iria humilde
saber dele. Pois o próximo deve encontrar
o que lhe é próximo, o que celebra ir
junto do que quer celebrar. Assim
com o olhar quando na desmesura
de desejar a um outro reconhece em
outro olhar o idêntico, aquele que de sempre
o procurava. E indo a ele, ao que de mim veio,
oferecer-lhe onde pousar o corpo
sobre o linho, deixá-lo no repouso adormecer,
guardar-lhe o sono. Sabendo intimamente
que aos pés da esfinge
nada jamais é inútil.
['O silêncio' de Bernardo Pinto de Almeida in 'Negócios em Ítaca']
Hoje vagueio vagueio apenas
ResponderEliminarà procura de paz e de um abraço
mais um de tantos que nestes dias me ofereceram
Perdi-me dos lugares de sempre
e sem destino
percorri os cais desabitados
Hoje
preciso de silêncios consentidos
da quietude dos rios da minha vida
de amigos desconhecidos
sei lá eu do que preciso...
tropecei com poetas por aqui
até o Helder que conheci menino
e cresceu com a minha irmã
que já perdi também...
perdoa Tá o desabafo
ontem disse adeus à minha MÃE...
Querida era uma Vez,
EliminarQue triste notícia, que triste. Daqui lhe envio um sentido abraço, um beijinho de compreensão, deve ser uma dor grande, uma ausência muito difícil, é perder a raíz, é ficar solto na vida.
Tenho a sorte de ter a minha e é assunto em que não quero nem pensar.
Que siga em frente guardando a saudade com todo o carinho mas sendo alegre para a homenagear, para ser como ela devia ser quando era nova e cheia de vida, para ser uma mãe cheia de força para os seus filhos e uma avó maravilhosa para as suas amorosas crianças.
Um grande abraço, querida Amiga.
Olá, UJM
ResponderEliminarCom as questões que se coloca descreve-se tão bem! E digo isto porque se vê esta sua multiplicidade naquilo que nos oferece no Ginjal, no UJM, no seu blog de fotografias,e também no blog de contos infantis,(é isso, não é? neste momento não está visível)
Um talento multifacetado que me faz lembrar Fernando Pessoa com os seus vários 'eus'. Pode crer que é o que eu penso. Já tinha reparado no intimismo do Ginjal, na forma pública do UJM e na perfeição de tudo o que produz.
A fotografia do post é lindíssima e ilustra muito bem o tema. O dinamismo e a musicalidade da sua prosa deixa pouco espaço ao poema. Mas voltarei para o reler.
Bj
Olinda
Espero-a amanhã ou seja, já é hoje, no Xaile de Seda. Há lá encontro marcado... :)
Olá Olinda,
EliminarJá lá estive e vou lá voltar para lhe dar os parabéns, que hoje é dia grande no Xaile.
No Um Jeito Manso abri ontem à noite (ou melhor, de madrugada que é quando tenho mais tempo para estas aventuras) uma janela para os blogues que visito e, como lá explico, resolvi renomeá-los. Ao seu chamei Colar de Pérolas não apenas porque o acho uma elegância (... adoro colares de pérolas!) como os pequenos textos ou poemas que lá publica são verdadeiras pérolas.
Tem razão. Todos ou quase todos os dias alimento os 3 blogues que refere e também tenho o das Historinhas da Tá (que é como sou conhecida junto dos pequeninos) mas como, por enquanto, quase apenas um dos meus três o vê com regularidade - e não se cansa de não ver material novo, vai navegando por ali abaixo à procura dos que gosta - tenho deixado este para trás. O tempo não me dá para tudo, deito-me tardíssimo (e tenho que me levantar cedo), mas adoro escrever, adoro música, fotografia, etc, e o tempo não estica à medida dos meus gostos.
Um beijinho, Olinda e até já nos festejos do Xaile com Pérolas.