Caminhas ao longo do Tejo, junto a uma linha feita de palavras. És um homem só, e caminhas sem ver os que te rodeiam; vais, errante, despojado, quase como se não tivesse corpo, apenas ideias, apenas sonhos.
Passas e ninguém te vê. Só eu.
Fiquei a olhar-te. Passavas e ninguém detinha o olhar em ti, eras um homem que seguia sozinho uma linha feita de palavras. Ali ias, como se te dirigisses a casa, uma casa templo, o teu domínio, só teu.
Passaste por mim e também não me viste. E, no entanto, eu fiquei presa à força da tua imagem, uma imagem una, íntegra, um homem denso, um homem que transporta uma luz em sua volta, talvez sejam raios que saíam do teu peito, raios de fogo. Fotografei-te, três vezes o fiz e tu não me viste, não vias ninguém e ninguém mais te viu.
Invisível, seguindo o translúcido caminho das palavras, soletranto em silêncio as amáveis sílabas, as indizíveis letras, uma breve toada, um ligeiro som, o suave gemido das palavras que nascem dentro de ti. Passaste e eras um homem em busca da sua unidade, um homem pronto a reduzir-se a ninguém se alguém tocasse os seus pensamentos, as suas palavras, os intangíveis sonhos.
[Nesta semana de Chopin, abaixo, depois do belíssimo poema de José Bento, Maria João Pires traz-nos uma Fantasia - um tema e uma interpretação que atravessam os tempos para se encontrar aqui connosco]
Percorrendo a despojada linha de um caminho translúcido |
A António Ramos Rosa
Há um homem além em busca da unidade.
Quem o avista descobre ser menos que o circuito
que só inteiro se fecha e acende o centro
onde se adensa e expande o seu domínio:
é um segmento errante, nunca se há-de saber
se um dia foi diferente e outros corpos teve
a projectar em volta os raios do seu peito:
o fogo e a neve rútila, um desvairo de flechas.
Vêmo-lo percorrer a despojada linha
de um caminho translúcido a conduzir à casa
que a si mesma se erige para quem partilhar
o coral desse templo ao alongar a nave
da palavra total feita por ele
para ser pleno,
ainda que indizível
pelos que tudo julgam dizer, ignorando
reduzir-se a ninguém ao tocar as suas sílabas.
(Poema 7, 'Há um homem além em busca da unidade' de José Bento in Sítios)
Olá, UJM
ResponderEliminarDetive-me prolongadamente neste seu texto e no poema. Tocam-se como se já se conhecessem há muito tempo, comungando de uma mesma unidade e de sílabas que se agrupam compondo palavras para além dos sonhos.
Adorei esta sua composição.
Obrigada.
Voltarei para ouvir e apreciar Chopin,com muito prazer.
Bj, bom fim de semana.
Olinda
Olinda,
ResponderEliminarOs seus comentários também me tocam. Gosto da forma como lê as minhas palavras e como sente a unidade entre as 'peças'. Muito obrigada.
Um beijinho.