Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

06 dezembro, 2011

Foi apenas mais um dia que passou entre arcos e arcos de solidão

  
Passou mais um dia, mais um ano. Passou. A vida que vai avançando, assim, um dia, depois de outro dia, um ano, e mais outro, arcos de solidão sobre os olhares que se sentem vazios. Os meus olhos não te vêem, os teus olhos não me vêem. Por vezes há uma gota que cai, talvez seja chuva, talvez seja uma lágrima perdida.

Por vezes um pássaro levanta voo e eu penso que és tu ou que sou eu, alguém que vai à procura da sua vida num outro lugar. Mas, então, o pássaro volta e vem para perto de mim e eu penso que és tu, a tua alma de pássaro livre, que vem até mim. Será? Serás tu também que voas sobre o veleiro de brancas velas que se faz ao mar e por mim passa quando eu passo rente ao rio? Serás tu, meu pássaro secreto?

E assim, vendo-te nos pássaros de longas asas que atravessam os vastos espaços, vendo-te nos veleiros que deslizam no rio, ouvindo dentro de mim o teu riso e vendo, no fundo do meu coração, o teu doce olhar, vou deixando que os dias se passem entre arcos de solidão.



[E, hoje que voamos entre arcos de solidão, não deixe de descer um pouco mais que Schubert nos espera, sublime]


Homem só na ponte que leva ao Elevador Panorâmico
O Tejo, o casario do Ginjal, Lisboa


                                     Hoje venho dizer-te que nevou 
                                     no rosto familiar que te esperava. 
                                     Não é nada, meu amor, foi um pássaro, 
                                     a casca do tempo que caiu, 
                                     uma lágrima, um barco, uma palavra.    
  
                                     Foi apenas mais um dia que passou 
                                     entre arcos e arcos de solidão; 
                                     a curva dos teus olhos que se fechou, 
                                     uma gota de orvalho, uma só gota, 
                                     secretamente morta na tua mão. 



(Canção de Eugénio de Andrade in '366 Poemas que falam de amor', antologia organizada por Vasco da Graça Moura)
  

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