Os teus cabelos estão quase todos brancos? Que me importa isso, amor? A tua carne não tem a elasticidade de antes? Que tem isso, amor?
Queres encostar-te a mim, amor? Está bem, deita a tua cabaça no meu ombro, deita.
Mas que nostalgia é essa, amor? Que interessa que os anos passem por nós? Tens rugas? E então? Já não vês bem? Mas, amor, que tem isso?
Olha, abraça-me, abraça-te a mim, sente o meu calor, sente o meu perfume, sente a minha pele. O tempo está entre nós dois, amor, o tempo está aqui, entre nós, é nosso, aprisionei-o para nós dois. Descansa, amor, que não o vou deixar fugir.
Não tenhas medo, não tenhas, estarei aqui sempre contigo, iremos juntos por este rio acima, voaremos juntos, subiremos junto todas as escadarias, sempre juntos. Quando chegar o momento iremos os dois ver o mar, as nuvens, a luz, ver o sol que nos aquecerá sempre o coração.
Beija-me, amor, e vamos ficar aqui os dois, quietinhos, ao sol, abraçados, abraçados para o resto da vida.
Nada receies, estarei contigo agora, e ao entardecer, e estarei contigo de noite. E, depois dos fantasmas da noite, amor, chegará fresca e luminosa a nossa madrugada.
[Depois do belíssimo nocturno a duas vozes de Eugénio, desça um pouco mais que hoje o dia é de escolhas maiores. Com a sua bela e nostálgica voz, Teresa Tarouca traz-nos um céu carregado de cinzento - coisa que apetece nestes dias de calor]
Amor, carinho, cumplicidade à beira Tejo |
- Que posso eu fazer
senão beber-te os olhos
enquanto a noite
não cessa de crescer?
- Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação...
- Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciará a morte;
a morte
vem sempre de outra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.
- Não é de medo
que tremem os meus lábios,
tremo por um fruto de lume
e solidão
que é todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que os meus dedos têm
para colher na noite.
- Vê como brilha
a estrela da manhã,
como a terra
é só um cheiro de eucaliptos
e um rumor de água
vem no vento...
- Tu és a água, a terra, o vento,
a estrela da manhã és tu ainda.
- Cala-te as palavras doem.
Como dói um barco,
como dói um pássaro
ferido
no limiar do dia.
Amo-te.
Amo-te para que subas comigo
á mais alta torre,
para que tudo em ti
seja verão, dunas e mar.
senão beber-te os olhos
enquanto a noite
não cessa de crescer?
- Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação...
- Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciará a morte;
a morte
vem sempre de outra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.
- Não é de medo
que tremem os meus lábios,
tremo por um fruto de lume
e solidão
que é todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que os meus dedos têm
para colher na noite.
- Vê como brilha
a estrela da manhã,
como a terra
é só um cheiro de eucaliptos
e um rumor de água
vem no vento...
- Tu és a água, a terra, o vento,
a estrela da manhã és tu ainda.
- Cala-te as palavras doem.
Como dói um barco,
como dói um pássaro
ferido
no limiar do dia.
Amo-te.
Amo-te para que subas comigo
á mais alta torre,
para que tudo em ti
seja verão, dunas e mar.
('Nocturno a duas vozes' belíssimo, belíssimo poema de Eugénio de Andrade in Antologia Breve')
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