Mal sei de ti. Chegam-me notícias que referem a tua apatia, dizem-me que não tens a alegria de antes. Se um dia te voltar a ver, reconhecer-te-ei? Serás o mesmo que ficou lá atrás, sorrindo na minha memória?
Imagino-te na tua rotina diárias, pontual e indiferente, ocupado e vazio. Perdemo-nos um do outro, mas perdemo-nos também de nós próprios. Aqueles que sorriam, felizes, adolescentes, um rapaz e a sua menina, ficaram lá para trás, nos dias em que a vida tinha um sentido.
Andamos agora aqui, eficientes e presentes, mas só eu e tu sabemos que a ausência está sempre presente dentro de nós. Não somos já os mesmos. É pois melhor que não nos reencontremos - não nos reconheceríamos.
[Depois, venha comigo, vamos recolher-nos. Apetece-me a frescura e a solidão de uns claustros que me acolham. Começa hoje aqui neste nosso ponto de encontro o ciclo 5 Medievais e não podia começar melhor - Canto Gregoriano. Desçamos a seguir ao poema]
Ouves os meus passos nas escadas?
Quando eu bater à porta
não me reconheceremos.
Quando eu bater à porta
não me reconheceremos.
Voltarei de um dia de trabalho,
subirei as escadas
e perder-me-ei para sempre
em qualquer sítio fora de qualquer sítio.
subirei as escadas
e perder-me-ei para sempre
em qualquer sítio fora de qualquer sítio.
Não foi o caminho de casa que perdi?
Não ficou alguém em qualquer sítio,
uma sombra passando diante de nós,
e principalmente fora de nós?
Não ficou alguém em qualquer sítio,
uma sombra passando diante de nós,
e principalmente fora de nós?
Agora quem sente
isto fora de mim,
quem é esse ausente?
isto fora de mim,
quem é esse ausente?
('Uma sombra' de Manuel António Pina in 'Poesia, saudade da prosa')
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