Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

23 outubro, 2011

Perder-me-ei para sempre em qualquer sítio fora de qualquer sítio

 
Mal sei de ti. Chegam-me notícias que referem a tua apatia, dizem-me que não tens a alegria de antes. Se um dia te voltar a ver, reconhecer-te-ei? Serás o mesmo que ficou lá atrás, sorrindo na minha memória?

Imagino-te na tua rotina diárias, pontual e indiferente, ocupado e vazio. Perdemo-nos um do outro, mas perdemo-nos também de nós próprios. Aqueles que sorriam, felizes, adolescentes, um rapaz e a sua menina, ficaram lá para trás, nos dias em que a vida tinha um sentido.

Andamos agora aqui, eficientes e presentes, mas só eu e tu sabemos que a ausência está sempre presente dentro de nós. Não somos já os mesmos. É pois melhor que não nos reencontremos - não nos reconheceríamos.



[Depois, venha comigo, vamos recolher-nos. Apetece-me a frescura e a solidão de uns claustros que me acolham. Começa hoje aqui neste nosso ponto de encontro o ciclo 5 Medievais e não podia começar melhor - Canto Gregoriano. Desçamos a seguir ao poema]



                            Ouves os meus passos nas escadas?
                            Quando eu bater à porta
                            não me reconheceremos.

                            Voltarei de um dia de trabalho,
                            subirei as escadas
                            e perder-me-ei para sempre
                            em qualquer sítio fora de qualquer sítio.

                            Não foi o caminho de casa que perdi?
                            Não ficou alguém em qualquer sítio,
                            uma sombra passando diante de nós,
                            e principalmente fora de nós?

                           Agora quem sente
                           isto fora de mim,
                           quem é esse ausente?


                          ('Uma sombra' de Manuel António Pina in 'Poesia, saudade da prosa')

  

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