Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

03 outubro, 2011

Não quero mentir mais. estou cansado de mentir.


Não quero mentir. Conheces-me, sabes que não consigo mentir. Não sei de ti e agora passam-se dias sem que pense em ti. Destruí a tua fotografia. Não queria ver-te num mundo que não era o nosso. Não queria ver-te preso a um momento no passado. Guardo a tua imagem dentro de mim. Mas hoje, sei lá porquê,  voltei a lembrar-me de ti, meu terno e querido amor.

Também não tens nenhuma fotografia minha. Tanto que me pediste e eu nunca te dei. Também não me queria ver transformada num rectângulo cristalizado no passado. Assim, quando me lembras, se ainda te lembras, talvez lembres o meu rosto adolescente sorrindo para ti, um abraço inesperado, o primeiro beijo, o meu olhar divertido quando me espreitavas o decote, as pernas, o meu ar feliz quando aparecias.

Mas já foi há tanto tempo, já nem sei se aconteceu, para quê mentir?

És uma presença doce na minha memória, alguém no meu passado já tão longínquo, não vou mentir - mas não posso nem quero dizer que nunca exististe, porque o teu sorriso e a tua voz me acompanham sempre, presenças doces no fundo de mim. Sempre serás o meu terno e imprevisto amor, o meu menino doce, o meu rapaz e eu a tua menina. Lembras-te também de mim, da tua menina, da tua menina que te olhava com ar apaixonado, lembras-te? Guarda-me dentro de ti. Para sempre, meu rapaz.



[Meus queridos amigos, acompanhem-me agora na leitura do poema do José Luís Peixoto e depois sigamos to the Chicago Blues night: it's Lurrie Bell with 'I'm ready' ]

Pescador na beira do Tejo

           não quero mentir mais. estou cansado de mentir.
           vejo o teu rosto parado numa fotografia e a memória
           que guardo de ti é tão diferente da realidade assustadora das fotografias.
           mas não vou mentir. estou cansado de mentir.
           a minha vida és tu e todas as mãos que me seguraram e me quiseram,
           todos os lábios que me beijaram, todas as línguas que me desenharam figuras
           na pele, todos os dentes que me morderam, todas as vozes que me disseram amo-te
           e me fizeram acreditar nisso. não quero mentir mais. estou cansado de mentir.
           não és quase nada, mas não quero e não vou fingir que nunca exististe.


           ('Não quero mentir mais' de José Luís Peixoto in 'A criança em ruínas')

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