Esqueçamos a história de Madalena. Vou agora falar-vos da jovem que em tempos fui. Ainda sou, sempre serei, mas reportemo-nos agora à idade biológica. Eu era adolescente, os meus cabelos caíam pesados nas costas e aquele que eu amava, amava os meus cabelos. Afastava-os com doçura, chegava-os para um dos ombros e, nesse lento afastar, roçava-os pelas minhas costas, pela minha nuca, arrepiava-me. Depois lentamente beijava-me o pescoço. Arrepiava-me. Roçava os seus lábios quentes pela minha nuca e eu rodava a cabeça, lentamente, até que as nossas bocas se juntavam.
Eram bocas inocentes. Depois aquele que eu amava, olhava para mim e os olhos humedeciam-se, 'gosto tanto de ti', dizia-me. E eu rendia-me, amada, confiante. Não tínhamos pecado, as nossa vidas estavam apenas a desenhar-se. Descobriamo-nos, o nosso corpo erra território puro, intocado, inocente. As nossas mãos que percorriam os nossos corpos eram mãos em busca de perdição, de salvação, mãos puras e limpas.
Quem sabe assim do amor, da limpidez do genuíno amor, da ternura infinita de um primeiro amor, poderá alguma vez atirar uma primeira pedra? Não, nunca, nenhuma pedra. O amor, seja qual a forma de que se revista, não deve ser apedrejado, apenas louvado.
[Terna é a noite, já sabíamos mesmo antes de ver a fotografia abaixo. Terna é a noite e deve ser regada a boa música. Depois do poema, siga, pois, até à próxima rua - hoje é dia de Ginjal Peace Concert com Wes Mackey!]
A noite que cai junto ao Tejo |
Em sua boca florescem os vocábulos
o leite e o mel inundam suas coxas
ela sabe a ternura e o perdão
consola o justo e o pecador
em seu corpo o corpo se purifica
em seu amor o espírito se redime
em sua perdição está nossa única e santa
salvação.
Beijarei sua carne de inocência
quem nunca amou atire
a primeira pedra.
('Maria Madalena' de Manuel Alegre in Livro do Português Errante)
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