Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

05 outubro, 2011

Em sua boca florescem os vocábulos - o leite e o mel inundam suas coxas


Esqueçamos a história de Madalena. Vou agora falar-vos da jovem que em tempos fui. Ainda sou, sempre serei, mas reportemo-nos agora à idade biológica. Eu era adolescente, os meus cabelos caíam pesados nas costas e aquele que eu amava, amava os meus cabelos. Afastava-os com doçura, chegava-os para um dos ombros e, nesse lento afastar, roçava-os pelas minhas costas, pela minha nuca, arrepiava-me. Depois lentamente beijava-me o pescoço. Arrepiava-me. Roçava os seus lábios quentes pela minha nuca e eu rodava a cabeça, lentamente, até que as nossas bocas se juntavam.

Eram bocas inocentes. Depois aquele que eu amava, olhava para mim e os olhos humedeciam-se, 'gosto tanto de ti', dizia-me. E eu rendia-me, amada, confiante. Não tínhamos pecado, as nossa vidas estavam apenas a desenhar-se. Descobriamo-nos, o nosso corpo erra território puro, intocado, inocente. As nossas mãos que percorriam os nossos corpos eram mãos em busca de perdição, de salvação, mãos puras e limpas.

Quem sabe assim do amor, da limpidez do genuíno amor, da ternura infinita de um primeiro amor, poderá alguma vez atirar uma primeira pedra? Não, nunca, nenhuma pedra. O amor, seja qual a forma de que se revista, não deve ser apedrejado, apenas louvado.



[Terna é a noite, já sabíamos mesmo antes de ver a fotografia abaixo. Terna é a noite e deve ser regada a boa música. Depois do poema, siga, pois, até à próxima rua - hoje é dia de Ginjal Peace Concert com Wes Mackey!]

A noite que cai junto ao Tejo

                     Em sua boca florescem os vocábulos
                     o leite e o mel inundam suas coxas
                     ela sabe a ternura e o perdão
                     consola o justo e o pecador
                     em seu corpo o corpo se purifica
                     em seu amor o espírito se redime
                     em sua perdição está nossa única e santa
                     salvação.
                     Beijarei sua carne de inocência
                     quem nunca amou atire
                     a primeira pedra.


                 ('Maria Madalena' de Manuel Alegre in Livro do Português Errante)

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