Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

02 setembro, 2011

Tem tanta pressa o corpo! E já passou, quando um de nós ou quando o amor chegou.


Eu não sei dizer mais que estas palavras trôpegas.

Eu não sei explicar mais que este suspirar de mãos pousadas, nesta espera.

Sento-me aqui e sinto um inexplicável temor.

Dizes que virás e, sem que eu perceba, os meus olhos enchem-se de lágrimas, emociono-me e não sei porquê. Durante longos momentos é assim que eu fico.

Talvez venhas, talvez venhas e eu nem saiba, talvez venhas e eu não te queira ou não possa ver, talvez venhas apenas em sonhos.

Eu não sei mais que isto. Sento-me aqui e olho o rio e espero nem sei o quê, se um barco, se um pássaro ou se apenas uma palavra.

Eu espero mas o tempo não espera. Por isso, talvez um dia venhas do fundo do mar, talvez venhas do outro lado do mundo, talvez, e talvez eu já não esteja aqui porque, sabes, é mesmo assim, quando um de nós ou quando o amor chega, muitas vezes o outro já partiu.

É assim quando estamos no Outono.

Homem sozinho, junto ao Tejo, de frente para Lisboa, que agora, ao fim do dia, se veste da mesma cor que o rio


O corpo não espera. Não. Por nós
ou pelo amor. Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sede, uma memória, tudo
o que sabemos de tocar desnudo
o corpo que não espera; este pousar
que não conhece, nada vê, nem nada
ousa temer no seu temor agudo...

Tem tanta pressa o corpo! E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.



('Glosa à chegada do Outono' belíssimo poema de Jorge de Sena in '366 poemas que falam de amor', uma antologia organizada por Vasco da Graça Moura)

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