Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

20 setembro, 2011

E assim de enganos se amordaça o amor


Não conheço desamores, enganos, amores amordaçados, não conheço feridas a purgar amargura, veias a latejar de solidão, não conheço o abandono, dores de mágoa, pontadas desatinadas, não conheço gemidos de aflição. Raivas, lágrimas, pequenas zangas, quem as não tem? Mas, desgostos sérios, felizmente não os conheço.

Mas que quem os conhece, não esmoreça. Que quem conheça o abandono e o sofrimento, saia de dentro de si próprio e venha cá para fora, onde o sol ilumina as mentes e os corações, e se deixe estar calmamente à espera que o amor surja de novo. O amor é bom e deve ser vivido com serenidade, arrebatamento, entrega, tolerância, paixão, amizade, empatia. Que nunca se amordace o amor. Que nunca se prive o amor de alegria e paz. Deixe-se o amor rebentar em cor.

Há pouco no Ginjal, já noite

              Não será só o que arde sem se ver,
              mas olho de serpente amordaçado,
              bordado de ´viés e facetado,
              água aos milhares de limos e correntes.

              Nem é essa que dói e não se sente,
              mas ferida a bramir fúrias de razão
              (varia, consoante o coração,
              mas que se sente, é espinho consumado).

             E o seu final: roer junto do verso,
             ou ainda pontada em desatino,
             dor de cantão tao cínico e pequeno
             que a luta de existir mais se reverte.

             E chegam os punhais, os comprimidos,
             sonha-se a veia a rebentar a cor,
             sonha-se a paz em vinte mil gemidos.

            E assim de enganos se amordaça o amor.


('Amordaçando a serpente (variações) de Ana Luís Amaral in Vozes, novíssimo livro)

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