Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

18 abril, 2011

Corpo num horizonte de água, corpo aberto à lenta embriaguez dos dedos

Há amores assim, que vêm como um veleiro que atravessa o rio, lento, lento, breve, branco.

Há amores assim, como secretas embarcações.

Há amores assim, em que o vento parece sempre favorável mesmo quando é incerta a navegação.

No Tejo, veleiro de nome Amar passa junto ao jardim do Ginjal, Lisboa do outro lado - uma beleza quase excessiva

Corpo num horizonte de água,
corpo aberto
à lenta embriaguez dos dedos,
corpo defendido
pelo fulgor das maçãs,
rendido de colina em colina,
corpo amorosamente humedecido
pelo sol dócil da língua.

Corpo com gosto a erva rasa
de secreto jardim,
corpo onde entro em casa,
corpo onde me deito
para sugar o silêncio,
ouvir
o rumor das espigas,
respirar
a doçura escuríssima das silvas.

Corpo de mil bocas,
e todas fulvas de alegria,
todas para sorver,
todas para morder até que um grito
irrompa das entranhas,
e suba às torres,
e suplique um punhal.
Corpo para entregar às lágrimas.
Corpo para morrer.

Corpo para beber até ao fim -
meu oceano breve
e branco,
minha secreta embarcação,
meu vento favorável,
minha vária, sempre incerta
navegação.


(Belíssimo, belíssimo 'Corpo habitado' de Eugénio de Andrade, na sua fase de fulgor, in Antologia Breve)

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