Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

28 fevereiro, 2011

Sei que existes e nisto se resume o estar aqui

Existes, eu sei, mas estás do outro lado, num qualquer outro lado.

Qual é a minha vida real? A que vivo sem ti ou a que vivo pensando em ti?

É nisso que penso quando por aqui vou, junto a este manso e silente rio.

Sei que existes e vais junto a mim quando por aqui vou, rente a este rio amargurado.

Meu amor. Nunca me separo de ti.

Homem caminha no passeio do Ginjal, mesmo rente ao Tejo

Sei que existes, e nisto se resume
o estar aqui, o persistir nessas tábuas inertes
que já não sei se é palco ou vida.
Sei que existes pessoa, de outro lado
de um lado que não sei;
                                              sei
que existes, talvez carne, ignotos olhos,
manso rio de um silente vulcão
amargurado.

(Belo, belo poema, '32. Ele:' de Pedro Tamen do belo, belo livro 'Um Teatro às Escuras')

Tens de largar a mão com Inês Castel-Branco por Tiago Bettencourt & Mantha

Tiago Bettencourt de novo e, de novo, com Inês Castel-Branco e, de novo, num muito criativo e competente vídeo de apresentação.

Este rapaz não brinca em serviço: as suas canções são inspiradas, interessantes, bem interpretadas.

Merece destaque.


Tens que largar a mão
P’ra eu sair de pé
Sou o teu anjo e não me vês
Na parte calma do que és

Tens que largar a mão
E sair de pé
Sou o teu anjo a procurar
A parte quente do que vês

Mas há portas por fechar
Com o chumbo a prender
É mais forte do que quero acreditar
E se tudo vai com o vento a escorrer
Não sou eu quem vai lutar agora

Se eu não for quem vai ser
Se eu não for quem vai
Ter o teu melhor
Se eu não for quem vai seguir a tua mão
E levar-te com o sol
Eu sei

Vais aprender a olhar quando a dor vier
Vais aprender a desvendar a parte fraca do que és
P’ra descobrir depois quando a luz voltar
Tens um jardim a procurar
Que precisa de saber
Quanto tempo vai durar
Este muro a prender
É mais forte do que queres acreditar
E se tudo vai com o vento a escorrer
Não sou eu que vai lutar agora

Se eu não for quem vai ser
Se eu não for quem vai
Ter o teu melhor
Se eu não for quem vai seguir a tua mão
E levar-te com o sol
Eu sei

E levar-te com o sol
Eu sei x2

Se eu não for quem vai ser
Se eu não for quem vai
Ter o teu melhor
Se eu não for quem vai seguir a tua mão
E levar-te com o sol
Eu sei


(Letra de 'Tens de largar a mão', composição de Tiago Bettencourt

27 fevereiro, 2011

Aí estás tu à esquina das palavras de sempre, amor inventado

 Acontece-nos o amor nestes dias mas é apenas dentro de nós - de resto, sacrificamos o coração e cumprimos a nossa rotina diária.

Mas cerro as pálpebras e as tuas palavras chegam, o teu sorriso pousa em mim: aí estás tu, amor que invento todos os dias.

Aqui estás tu, nesta esquina do Tejo enfeitado de veleiros, aqui estás tu, em frente a Lisboa

Aí estás tu à esquina das palavras de sempre
amor inventado numa indústria de lábios
que mordem o tempo sempre cá
E o coração acontece-nos
como uma dádiva de folhas nupciais
nos nossos ombros de outono
Caiam agora pálpebras que cerrem
o sacrifício que em nossos gestos há
de sermos diários por fora
Caiam agora que o amor chegou

(Acontecimento de Ruy Belo in Aquele Grande rio Eufrates)

Sei que me viste passar pela Ana Sofia Varela

Ana Sofia Varela, uma das grandes novas fadistas: raça e presença numa voz bem encorpada.


Sei que me viste passar e disfarçaste
Eu fingi que passei sem dar por ti
Desviaste o olhar mas sei que olhaste
Porque me encandeei quando te vi

Sonhei dias a fio fazer-te adeus
Viraste os olhos à Lua para não dar azo
Se alguém disser que me viu juro por Deus
Que passei à tua rua só por acaso

Senti o teu olhar nas minhas costas
Sei o bem que me faz ao coração
Gosto de te cruzar, tu também gostas
E um dia não és capaz de fingir que não

(Letra de Sei que me viste passar de João Monge)

24 fevereiro, 2011

A boca procura trabalhos de amor mas encontra apenas o nó de sombra das palavras

Este sol de inverno faz parecer que estamos quase no verão e faz-me lembrar o nosso verão.

Mas em vez da tua boca encontro apenas as palavras que, em silêncio, vou dizendo.

Onde um só beijo bastaria, apenas tenho a recordação das palavras.

E aqui, neste sítio de colinas e mar, de azuis e transparências, de aves que voam livres, eu olho o rio e lembro as tuas belas palavras de amor.

Meu amor.

Meu amor.

Ginjal, o Tejo, o casario, a Ponte, os azuis, as cores suaves: uma beleza tranquila

A pele porosa do silêncio
agora que a noite sangra nos pulsos
traz-me o teu rumor de chuva branca.

O verão anda por aí, o cheiro
violento da beladona cega a terra.
Cega também, a boca procura
trabalhos de amor. Encontra apenas
o nó de sombras das palavras.

Palavras... Onde um só grito
bastaria, há a gordura
das palavras. Palavras -
quando apetecem claridades súbitas,
o sumo estreme, a ponta extrema,
do teu corpo, arco, flecha,
corola de água aberta
ao fogo a prumo do meu corpo.

Do chão ao cume das colinas,
eis as areias. Cala-te.
Deita-te. Debaixo dos meus flancos.
A terra toda em cima. Agora arde. Agora.


('Desde o chão' de Eugénio de Andrade in Antologia Breve)

Lábios Que Beijei pelo António Zambujo

António Zambujo, um nome que anda a dar que falar.


Lábios que beijei /
Mãos que afaguei
Numa noite de luar, assim,
O mar na solidão bramia /
E o vento a soluçar, pedia
Que fosses sincera para mim.

Nada tu ouviste /
E logo que partiste
Para os braços de outro amor.
Eu fiquei chorando /
Minha mágoa cantando
Sou estátua perenal da dor.

Passo os dias soluçando com meu pinho
Carpindo a minha dor, sozinho
Sem esperanças de vê-la jamais
Deus tem compaixão deste infeliz
Porque sofrer assim
Compadei-vos dos meus ais.

Tua imagem permanece imaculada
Em minha retina cansada /
De chorar por teu amor.
Lábios que beijei /
Mãos que afaguei

(Letra de 'Lábios que beijei')

23 fevereiro, 2011

As mulheres pensam como uma impensada roseira que pensa rosas

Ninguém mais fala das mulheres com esta devoção. Herberto Helder, como se bordasse a linha fina, tece um retrato fascinado sobre a Mulher.

E eu, que gosto de ser mulher, gosto de ler estas palavras.

Somos mesmo assim: contraditórias, doces mas capazes de palavras tenebrosas, fechadas e enigmáticas umas vezes, expansivas e alegres outras, cheias de graça, anunciando felicidade ou causando lágrimas, carne e sangue ou apenas encantamento.

Duas mulheres passeiam junto ao Tejo, no passeio do Ginjal

As mulheres pensam como uma impensada roseira
que pensa rosas.
Pensam de espinho em espinho,
param de nó em nó.
As mulheres dão folhas, recebem
um orvalho inocente.
Depois sua boca abre-se.
Verão, outono, a onda dolorosa e ardente
das semanas,
passam por cima. As mulheres cantam
na sua alegria terrena.

Que coisa verdadeira cantam?
Elas cantam.
São fechadas e doces, mudam
de cor, anunciam a felicidade no meio da noite,
os dias rutilantes, a graça.

Elas cantam a eternidade.
Cantam o sangue de uma terra exaltada.


(Excertos do extraordinário 'Ou o poema contínuo' de Herberto Helder)

Índios da Meia-Praia por Paula Oliveira e Bernardo Moreira

Passam hoje 24 anos mas José Afonso continua vivo na nossa memória.

As suas composições têm uma qualidade poética e musical que, para sempre, perdurarão.

Aqui, Paula Oliveira e Bernardo Moreira, num registo bem diferente do original, cantam os Índios da Meia-Praia.

Salvé, Zeca.



Aldeia da Meia Praia
Ali mesmo ao pé de Lagos
Vou fazer-te uma cantiga
Da melhor que sei e faço

De Montegordo vieram
Alguns por seu próprio pé
Um chegou de bicicleta
Outro foi de marcha à ré

Quando os teus olhos tropeçam
No voo de uma gaivota
Em vez de peixe vê peças de oiro
Caindo na lota

Quem aqui vier morar
Não traga mesa nem cama
Com sete palmos de terra
Se constrói uma cabana

Tu trabalhas todo o ano
Na lota deixam-te nudo
Chupam-te até ao tutano
Levam-te o couro cabeludo

Quem dera que a gente tenha
De Agostinho a valentia
Para alimentar a sanha
De enganar a burguesia

Adeus disse a Montegordo
Nada o prende ao mal passado
Mas nada o prende ao presente
Se só ele é o enganado

Oito mil horas contadas
Laboraram a preceito
Até que veio o primeiro
Documento autenticado

Eram mulheres e crianças
Cada um com o seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra
quem diz o contrário é tolo


E se a má língua não cessa
Eu daqui vivo não saia
Pois nada apaga a nobreza
Dos índios da Meia-Praia

Foi sempre tua figura
Tubarão de mil aparas
Deixas tudo à dependura
Quando na presa reparas

Das eleições acabadas
Do resultado previsto
Saiu o que tendes visto
Muitas obras embargadas

Mas não por vontade própria
Porque a luta continua
Pois é dele a sua história
E o povo saiu à rua

Mandadores de alta finança
Fazem tudo andar para trás
Dizem que o mundo só anda
Tendo à frente um capataz

Eram mulheres e crianças
Cada um com o seu tijolo
Isto aqui era uma orquestra
Que diz o contrário é tolo

E toca de papelada
No vaivém dos ministérios
Mas hão-de fugir aos berros
Inda a banda vai na estrada

(Letra de Índios da Meia-Praia, composição de José Afonso)

22 fevereiro, 2011

São horas de voltar mas tu já não vens


Sei que não voltas.

Volto à casa onde contigo o sol de verão nos iluminou ao espelho e escondo a cara para não ver que não estás ao meu lado.

Já não te espero porque a espera se gastou nos dias magoados, onde as luzes se apagam.

Como um pássaro solto no vento partiste, talvez para sempre

(Interior de um armazém - ... eu a espreitar para dento das casas que escondem segredos, tesouros do mar, no Ginjal)

São horas de voltar. Tu já não vens, e a espera
gastou a luz de mais um dia. Agora, quem passar
trará um corpo incerto dentro do nevoeiro,
mas terá outro nome e outro perfume. Eu volto

à casa onde contigo se demorou o verão e arrumo
os livros, escondo as cartas, viro os retratos
para a mesa. Sei que o tempo se magoou de nós,
sei que não voltas, e ouço dizer que as aves
partem sempre assim, subitamente. Outras virão

em março, apago as luzes do quarto, nunca as mesmas.


('São horas de voltar' de Maria do Rosário Pedreira in A Casa e o cheiro dos Livros)

Tomo conta desta tua Casa pelos Virgem Suta

Esta dupla alentejana, de Beja, é muito bem disposta. Música popular portuguesa, divertida e com uma agradável sonoridade.


Tomo conta desta tua casa
Imprópria para amar, sei lá porquê
Não consigo agarrar o que me resta
Pedaços do que foste, e ninguém vê

Rendido ao teu sofá, nele me encontro
Repouso agora em sono mal dormido
Pretendo esclarecer o desencontro
Do nosso amor que há muito anda perdido

Eu sei
Que não é fácil conversar nem decidir
Nem tudo é falso e sem cor vamos mentir
Que a perversão será ainda mais real

A leve embriaguez passa a febre
Num quente desconforto de um mendigo
Que aguarda numa esperança duvidosa
O gesto carinhoso de um abrigo

Pensar, sentir, querer, é tão confuso
A sensação da dor está revelada
Agora o que fazemos de nós dois?
Vivemos como se não fosse nada

Eu sei
Que não é fácil conversar nem decidir
Nem tudo é falso e sem cor vamos mentir
Que a perversão será ainda mais real

(Letra de 'Tomo conta da tua casa', composição dos Virgem Suta)

21 fevereiro, 2011

Tinham o rosto aberto a quem passava

Temos fome e sede como os bichos mas é em silêncio que caminhamos dentro da nossa memória.

Sonhamos com jardins onde podemos passear de mãos dadas e com isso afastamos o frio do coração.

Imaginamos que um dia um milagre acontecerá, que um dia poderemos ir como pássaros livres, voando pelos espaços.

Casal desfruta o momento na maravilhosa esplanada do restaurante Ponto Final no Ginjal

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

(Os amantes sem dinheiro de Eugénio de Andrade)

A cada gesto que faziam um pássaro nascia dos seus dedos

(Neste fim-de-semana chuvoso, gaivota penetra nos espaços, voando sobre o Tejo, no Ginjal, a Ponte ao fundo)

Redondo Vocábulo por Cristina Branco

Uma canção intemporal, especial, como são as grandes canções de José Afonso.

Cristina Branco, uma voz límpida e o respeito pela musicalidade do mestre.

Ouçam que vale muito a pena.


Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa

(Letra de Redondo vocábulo, composição de Zeca Afonso)

17 fevereiro, 2011

Para atravessar contigo o deserto do mundo, ao lado dos teus passos caminhei

Na minha memória, vestes-me e despes-me com o teu olhar.
E acompanhas-me com os teus gestos e com a tua voz.
E o teu sorriso habita dentro de mim.
Para ti criei um reino secreto, por ti guardo uma imagem perfeita num espelho.
Por ti quase perdi o medo para viver em pleno vento, o resto da vida com todo o tempo.

No Ginjal, mesmo sobre o Tejo, pensativo rapaz de bicicleta

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade, para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei.

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso.

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo.

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento


('Para atravessar contigo o deserto do mundo', de Sophia de Mello Breyner Andresen in Livro Sexto)

Ao Deus Dará pelos Balla

Um grupo musical pop-neo-chic-neo-intelectual com um apurado sentido estético. Os video-clip revelam o estilo dos autores, dos intérpretes.  Balla.


Vai-te embora
Vai-te embora já

Eu não gosto de ti
Mas tu gostas de mim
Toda a gente de quem gosto
se apaixona por ti

Eu não gosto de amar
nem que gostes de mim
é o teu vai-e-vem
que faz pouco de mim

Ao Deus dará
tu atiras-te a mim
eu só quero fugir
do que queres de mim

Eu não posso negar
que sou doido por ti
É uma coisa mental
Que notaram em mim
 
(Letra de Ao Deus dará, autoria de Miguel Esteves Cardoso)

16 fevereiro, 2011

Deito-me tarde, espero por uma espécie de silêncio

Assim acontece comigo.

Todos os dias, pacientemente espero que o silêncio se instale, que a noite desça, que as luzes todas se apaguem.

Só então chega o vazio perfeito, só então, quando a hora já é tardia, me sinto capaz de ver as imagens por detrás dos espelhos.

Vinda de Lisboa, em Cacilhas, à noite, mulher espera

Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa

É então que se vê passar o silêncio

Navegação antiquíssima e solene


(Espera de Sophia de Mello Breyner Andresen in Geografia)

Ilha Azul por Garda

Uma canção interpretada pela velha senhora da música angolana. Gravou o primeiro disco em Angola. Vive há dezenas de anos em Lisboa, agora no Convento de Nossa Senhora da Encarnação. Mulher interessante, com muita vida, boémia (diz que os amigos a chama de 'velha vadia'), gosta de andar pela noite cantando, tocando.

 Joie de vivre - apesar de se dizer algo melancólica, Garda mostra que viver é uma boa coisa.


Numa ilha azul
Nós dois eu e tu
Vivendo em nosso Amor
Em Honolulu!

Paraíso!
De baixa tropical
Onde o mar é tranquilo
O céu parece cristal!

Nosso lar e sonho
Junto à beira mar
Tem beleza e sonho
E brilha ao luar!

Nós os dois
Eu rainha e tu rei
Vivendo em nosso amor
Nesta onda ao luar
Nesta onda ao luar!

(Letra de 'Ilha azul', composição de Garda)

15 fevereiro, 2011

Eis que te vejo e vejo que és mulher

Um dia tu viste-me, um dia tu viste-me como mulher.

Disseste-me depois que me viste de rosto iluminado, e eu senti, nesse dia, que uma aura invisível me envolvia.

E na tua memória é essa luz que me iluminava que tu guardas. Guarda-a, guarda-me, guarda-me para sempre dentro de ti, com essa luz que te ilumina por dentro.

Brilharei para ti. Para sempre.

(Jardim do Ginjal, um pequeno jardim, um pequeno local encantatório)

Desfeita em tantas peças
e faíscas
que rasgam pacientes esta noite,
a noite deste palco,

eis que te vejo,
eis que te vejo e vejo que és pessoa,
e vejo que és mulher
rodeada de auras invisíveis.

E toda tu és chispas
que não iluminam apenas este mundo
mas o mundo de todos.

(Belíssimo poema de Pedro Tamen, de Um teatro às escuras)

Escrevi Teu Nome no Vento pela Carminho

Carminho, uma jovem fadista com muito valor, visita, uma vez mais, o Ginjal.

A sua voz casa bem com este espaço.


Escrevi teu nome no vento
Convencido que o escrevia
Na folha dum esquecimento
Que no vento se perdia

Ao vê-lo seguir envolto
 Na poeira do caminho
Julguei meu coração solto
 Dos elos do teu carinho

Em vez de ir longe levá-lo
 Longe, onde o tempo o desfaça
Fica contente a gritá-lo
Onde passa e a quem passa

Pobre de mim, não pensava
 Que tal e qual como eu
O vento se apaixonava
 Por esse nome que é teu

E quando o vento se agita
 Agita-se o meu tormento
Quero esquecer-te, acredita
 Mas cada vez há mais vento

(Letra de 'Escrevi o teu nome no vento', composição de Jorge Rosa e Raul Ferrão)

14 fevereiro, 2011

Três moças cantavam d'amor


À beira do Tejo eu canto d'amor como quem ensaia a perfeição de um delito.

Olhando Lisboa eu canto 'Deita no meu peito e me devora, deita no meu leito e se demora',  eu canto 'Só você invadiu o centro do espelho'.

Aqui, no meio de todo este azul, como se estivesse sobre um lençol, eu canto d'amor 'na vida só resta seguir um pacto e o resto rio afora.'

Três raparigas num cais do Ginjal, a ponte como um véu, três raparigas cantando 'I love Lisbon, Tagus I love you'

Três moças cantavam d'amor
os braços debulhados dispostos no lençol.

A casa era um corpo
invertebrado.
Um bicho sem concha
à sombra das coxas das moças
que d'amor cantavam

e sobrevoavam o linho
de pernas para o mar
uma de dentro da outra para dentro da outra

e trocavam de sapatos
e teciam véus e vulvas
como quem ensaia a perfeição de um delito.

(Três moças cantavam de Catarina Nunes de Almeida in Bailias)

É Você pelos Tribalistas, Marisa Monte cantando

Uma canção cheia de ternura, não por ser Dia de S. Valentim -  data que me arrelia porque é uma tradição que não é nossa, que é apenas consumismo -  mas porque os Tribalistas e a Marisa Monte são inspirados, encantadores, gente boa.


É você
Só você
Que na vida vai comigo agora
Nós dois na floresta e no salão
Nada mais
Deita no meu peito e me devora
Na vida só resta seguir
Um risco, um passo, um gesto rio afora
É você
Só você
Que invadiu o centro do espelho
Nós dois na biblioteca e no saguão
Ninguém mais
Deita no meu leito e se demora
Na vida só resta seguir
Um risco, um passo, um gesto rio afora
Na vida só resta seguir
Um ritmo, um pacto e o resto rio afora...

(Letra de 'É você', composição de Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown)

Street Photo & Co. - o meu novo blogue de Fotografia de Rua

Começo hoje um novo blogue. Terei todo o gosto em que o visitem. Como explico no 1º post, o Street Photo & Co. ('Um jeito manso de olhar'), resulta de ter muitas, muitas mesmas, fotografias tiradas na rua, essencialmente a pessoas, e ter vontade de as ir partilhando.

Não cabiam aqui porque este espaço é dedicado ao Ginjal, nem vinham sempre a propósito no Um jeito manso, muito menos nas Historinhas da Tá.

Mas nada que não se resolvesse: vai mais um...

E, portanto, assim nasce hoje um novo blogue.

Não sei como vou ter tempo para tudo isto mas é como os filhos ou netos: arranja-se sempre espaço (logístico e afectivo) para mais um.

Esta é a 1ª fotografia do novo blogue: crianças, um pássaro voando, o futuro, paz.

Visitem-me também lá: são sempre bem recebidos.

09 fevereiro, 2011

Sou as palavras e os segredos que guardei

Hoje quero beijar-te com saudade como beijo o Tejo com o olhar, este rio que tanto amo.

Hoje quero entregar-me inteira como sempre me entreguei, como me entrego à beleza deste Tejo que tanto amo.

Hoje quero manter bem guardadas as lembranças que não se diluem porque são lembranças sagradas, como sagradas são as ondas e tudo deste Tejo que tanto amo.

Hoje sou as tuas palavras, a música da tua voz, o teu olhar perene, sou o teu sono, a tua companhia - meu Tejo, meu amor.

(Magia, beleza: assim mesmo, sem qualquer retoque, vi este branco barco à vela, numa manhã branca no jardim do Ginjal)

Sou as palavras e os segredos que guardei
e um estrito reservar-me nunca soube porquê
se tão completa me entrego as vezes que me entreguei.
Sou a lembrança que se vai diluindo
em olhos que julguei perenes e consanguíneos.
Sou canções  poemas e tantas
malbaratadas luas. E a música e os livros
e a varanda que um arquitecto desenhou
sem saber que era p'ra mim. E que perdi.
Sou o teu sono, minha gata, redondo ainda
e já inclinado ao fim. Sou árvores, o rio que amei,
as aves, as giestas, uma pouca de terra.

(Alguém de Soledade Santos, belíssimo poema in Sob os teus pés a terra)

Beijo de Saudade por Mariza e Tito Paris

Mestiçagem com beijos e saudades, requebro e sentimento. Mariza, a diva, e Tito Paris, o castiço: envolvente


Ondas sagradas do Tejo
Deixa-me beijar as tuas águas
Deixa-me dar-te um beijo
Um beijo de mágoa
Um beijo de saudade
Para levar ao mar e o mar à minha terra

Nas tuas ondas cristalinas
Deixa-me dar-te um beijo
Na tua boca de menina
Deixa-me dar-te um beijo, óh Tejo
Um beijo de mágoa
Um beijo de saudade
Para levar ao mar e o mar à minha terra

Minha terra é aquela pequenina
É Cabo Verde terra minha
Aquela que no mar parece criança
É filha do oceano
É filha do céu
Terra da minha mãe
terra dos meus amores

Bêjo Di Sodade

Onda sagrada di Tejo
Dixám'bejábu bô água
Dixám'dábu um beijo
Um bêjo di mágoa
Um bêjo di sodadi
Pá bô levá mar, pá mar leval'nha terra

Na bôs onda cristalina
Dixám'dábu um beijo
Na bô boca di mimina
Dixám'dábu um beijo óh Tejo
Um bêjo di mágoa
Um bêjo di sodadi
Pá bô levá mar, pá mar leval'nha terra

Nha terra ê quêl piquinino
È Cabo Verde, quêl quê di meu
Terra que na mar parcê minino
È fidjo d'oceano
È fidjo di céu
Terra di nha mãe
Terra di nha cretcheu

(Letra de Beijo de Saudade, composição de B.Leza)

08 fevereiro, 2011

Se eu pudesse desamar, se eu pudesse, meu amor

Ou se eu pudesse destecer o tecido da minha memória, ou se eu pudesse ver-te do lado de lá da cidade, ou se o teu corpo fosse o mar e eu pudesse cair para dentro dele, num abraço apertado.

Ah se eu pudesse desamar ou, então, ter-te ao pé de mim quando daqui avisto o mar.

(Mulher tira fotografias em Cacilhas, o Tejo aqui mesmo, Lisboa logo ali.
'Todo o mundo diz que é boa mas como a vizinha não há; ela mexe com o juízo do homem que vai trabalhar')

Se eu pudesse desamar
destecer as barcas as dos autos do inverno -
frota de cabelos esparsos
por entre águas vertebradas
nas tuas pernas
perdição dos peixes.
Se eu pudesse digerir a cidade depois do teu nome
aparar a plumagem que me separa dos animais
e cair para dentro deles
num abraço escavado por eles
disponível para a idade para a margem da lavoura
onde nunca se aviste
o mar.

('Se eu pudesse desamar' de Catarina Nunes de Almeida in Bailias)

A Vizinha do Lado (e Requebre que eu dou um doce) pela Roberta de Sá

Pura diversão (e um retrato fiel de algumas situações reais)

Enjoy.



A vizinha quando passa
Com seu vestido grená
Todo mundo diz que é boa
Mas como a vizinha não há

Ela mexe co'as cadeiras pra cá.
Ela mexe co'as cadeiras pra lá.
Ela mexe com o juízo
Do homem que vai trabalhar

Há um bocado de gente
Na mesma situação
Todo mundo gosta dela
Na mesma doce ilusão

A vizinha quando passa
Que não liga pra ninguém
Todo mundo fica louco
E o seu vizinho também

(Letra de 'A vizinha quando passa', composição de Dorival Caymmi)

07 fevereiro, 2011

Deixemos que o tempo nos leve na curva dos dias sem história

Deixemos, meu amor. Talvez amanhã, talvez um dia, talvez.

 Adiamos. Adiamos como forma de resolução.
Ouvimos a canção e parece escrita para nós: só nós dois é que sabemos o quanto nos queremos bem, o amor quando acontece não pede licença ao mundo.
Mas não conseguimos continuar: que falem não nos interessa, o mundo não nos importa. Não, isso não conseguimos dizer.

Mas vamos viver o presente tal qual a vida nos dá, o que o futuro nos reserva ninguém sabe o que será.

Quem sabe algo não se rasga trazendo-nos novas possibilidades, um novo início?

 
Num dia branco, velas brancas de pano e de pedra, numa visão abençoada a partir do Ginjal, Lisboa branca e luminosa, o Tejo uma suave aguarela. Uma beleza mágica.

Deixamos que o tempo nos leve
na curva dos dias sem história
e uma canção de Cohen
ou a terra dos versos amados
adormeçam o sobressalto da madrugada.
E adiamos. E dizemos amanhã,
talvez amanhã haja palavras e um gesto novo
ou antigo trazido à luz,
e algo se rasgue e instaure
não a inquietude
mas as suas possibilidades. E adiamos
e temos tudo resolvido. Subitamente
a farpa de um início.

(Alarme de Soledade Santos in 'Sob os teus pés a terra', )

Só Nós Dois pelo Tiago Bettencourt

Gosto muito do Tiago Bettencourt: tem personaliddae, tem bom gosto, tem boa voz, tem cuidado na sua divulgação. Tem tudo para uma carreira de sucesso.

Aqui canta um clássico ortalizado por Tony de Matos. A voz é outra porque é e os tempos são outros mas o sentimento da interpretação está cá todo. Gosto muito.


Só nós dois é que sabemos
Quanto nos queremos bem
Só nós dois é que sabemos
Só nós dois e mais ninguém

Só nós dois avaliamos
Este amor forte e profundo
Quando o amor acontece
Não pede licença ao mundo

Anda, abraça-me... beija-me
Encosta o teu peito ao meu
Esquece que vais na rua
Vem ser minha e eu serei teu
Que falem não nos interessa
O mundo não nos importa
O nosso mundo começa
Cá dentro da nossa porta

Só nós dois é compreendemos
O calor dos nossos beijos
Só nós dois é que sofremos
A tortura dos desejos
Vamos viver o presente
Tal qual a vida nos dá
O que reserva o futuro
Só deus sabe o que será

Anda, abraça-me... beija-me.

(Letra de 'Só nós dois', composição de J. Pimentel)

06 fevereiro, 2011

Amo-te tanto, meu amor, amo-te como amiga e como amante

Penso em ti enquanto te espero e, de cada vez que te ausentas, eu choro mas, de cada vez que voltas, o estar perto de ti apaga o que a tua ausência me causou.

E em cada despedida eu vou amar-te, com um amor calmo, revestido de saudade.

Amo-te com liberdade, a cada instante, muito e amiúde - e não quero falar em eternidade, prefiro falar em imaterialidade porque é uma realidade intangível que existe apenas para nós dois. 

(Casal de namorados junto ao Farol de Cacilhas, o Tejo aos pés, Lisboa a abençoar o amor)

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

(Soneto do amor total de Vinicius de Moraes)

Eu Sei Que Vou Te Amar on Banjo por Tom Jobim

Hoje ouvi tantas pessoas a falarem brasileiro que este e o post seguinte lhes serão dedicados.

Aqui um clássico, composição de dois mestres. Interpretação sentida e inesquecível.


Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Prá te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

(Letra de E sei que vou-te amar, composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes)

03 fevereiro, 2011

Agora eu estou em mim e tu em mim

Às vezes olho o mar e penso que estás do outro lado; ou olho a janela e penso que estás do outro lado; ou olho os montes e penso que estás do outro lado; ou apenas olho a mesa e penso que estás do outro lado.

O mar, a janela, o monte, a mesa, traçam linhas que me separam de ti.

E tu olhas o mar, a janela, o monte, a mesa e pensas que eu estou do outro lado.

O mar, a janela, o monte, a mesa, traçam linhas que te separam de mim.

São linhas paralelas e ambos sabemos o que são linhas paralelas.

E, no entanto, tenho a mansa certeza de que um dia uma brisa vinda do mar soprará nestas linhas e as fará tocarem-se e, então, ficaremos aconchegados, nós dois pacificados.

Até lá sabemos que, haja o que houver, eu estou em ti e tu em mim.

Típico e aprazível Restaurante/Cervejaria Farol em Cacilhas, mesmo à porta do Ginjal, há pouco
A segurança destas paralelas
— a beira da varanda e o horizonte;
assim me pacifico, e é por elas
que subo lentamente cada monte.

O tempo arrefecido, e só soprado
por uma brisa tarda que do mar
torna este minuto leve aconchegado,
traz mansas as certezas de se estar.

E vêm novos nomes: são as fadas,
gigantes e anões, que são assim
alegres de o serem — parcos nadas

que enchendo de silêncios este sim
dele fazem brinquedos, madrugadas...
Agora eu estou em ti e tu em mim.


 
('A segurança destas paralelas' de Pedro Tamen, in Tábua das Matérias)


Água e Mel pela Cristina Branco

Uma grande e jovem fadista, uma das vozes promissoras da nova geração de fadistas, interpreta Água e Mel inicialmente interpretado por Amália Rodrigues..



Entre os ramos de pinheiro
Vi o luar de Janeiro
Quando ainda havia sol
E numa concha da praia
Ouvi a voz que desmaia
Do secreto rouxinol

Com água e mel
Comi pão com água e mel
E do vão duma janela
Beijei sem saber a quem
Tenho uma rosa
Tenho uma rosa e um cravo
Num cantarinho de barro
Que me deu a minha mãe

Fui p´la estrada nacional
E pela mata real
Atrás dum pássaro azul
No fundo dos olhos trago
A estrada de Santiago
E o cruzeiro do sul

Abri meus olhos
Abri meus olhos ao dia
E escutei a melodia
Que ao céu se eleva de pó
Do vinho novo
Se provei o vinho novo
Se amei o rei e o povo
Meu Deus por que estou tão só

(Letra de Água e Mel, de Carlos Barbosa de Carvalho)

02 fevereiro, 2011

e posso colher restos de frutos caídos ou as sementes da ilusão

O sol vai introduzir a noite e eu estou aqui presa no meu corpo, indiferente à ocupação do espaço.

Visto-me assim, sem jeito, triste e se rio é apenas por disfarce. Estou presa às sementes de ilusão de que eu própria me alimento.

(Mulher olha Lisboa no Cais de embarque de Cacilhas, indiferente ao Tejo que corre aos seus pés)

O meu corpo preso
visto no seu jeito triste
ou no riso que é disfarce
aonde caem as pedras
persiste em círculos
de água para sossegar
indiferente à ocupação
da árvore pelos finórios
que chegam quando
o sol introduz a noite
e posso colher restos
de frutos caídos
ou as sementes
da ilusão.

(Sementes da ilusão, mais um poema de Emerenciano, in Ir & Vir)

Parva que sou pelos Deolinda (no Coliseu do Porto, 23 de Janeiro de 2011)

A gravação está longe de ser extraordinária mas vale pela actualidade do tema e, claro, pelos Deolinda.


Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!

Porque isto está mal e vai continuar,
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!

E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘casinha dos pais’,
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou

Filhos maridos, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou!

E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração ‘vou queixar-me pra quê?’
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!

Sou da geração ‘eu já não posso mais!’
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!

E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

(Letra de Parva que sou, composição dos Deolinda)